quinta-feira, 31 de março de 2011

A PRECE

Prece, oração ou reza, são os diversos nomes dados a uma prática humana muito antiga e que, apesar deste costume ser praticado há tanto tempo, ainda não foi bem compreendido até mesmo pelos que dele fazem uso constante. Duas correntes de opinião, contrárias entre si, existem com relação à prece, termo que usaremos com mais freqüência apenas por uma questão de simpatia.
Uma é defendida pelos que não crêem ser necessário utilizá-la argumentando que se Deus conhece todas as nossas necessidades, saberá o que precisamos independentemente de fazermos qualquer pedido. Também argumentam que se as leis naturais são imutáveis, não adianta fazer qualquer pedido porque tudo já está pré-determinado em nossas vidas.
Outra corrente, talvez a de maior adeptos, acreditam que todos os nossos problemas serão resolvidos apenas com a oração, numa visão equivocada das palavras de Jesus: "Pedi e obtereis". Seguindo este pensamento, proliferam-se as práticas exteriores, as preces puramente místicas, chavões repetitivos e as promessas que nada mais são que negociatas que o ser humano pretende ter com a Divindade.
Como em todas as ações do Espírito, na prece também o que prevalece é a intenção. Nos dizem os Espíritos que a prece é um ato de adoração a Deus e que, ao faze-la com a pureza do sentimento, estaremos pensando n'Ele, aproximando-se d'Ele e nos comunicando com Ele. Para e compreender a ação da prece é preciso que entendamos a ação do pensamento e sobre isto Allan Kardec nos oferece um extenso estudo do qual extraímos este parágrafo que sintetiza de forma precisa: "Estamos todos mergulhados no fluido universal que preenche o espaço, assim como na terra estamos envolvidos pela atmosfera. Esse fluido é impulsionado pela vontade, pois é o veículo do pensamento, como o ar é o veículo do som, com a diferença de que as vibrações do ar são circunscritas, enquanto as do fluido universal se ampliam ao infinito".
Os benefícios que podemos receber de Deus estão diretamente ligados ao merecimento que temos em função de nossas ações. Nos dizem os Espíritos que as boas ações são a melhor prece, porque os atos valem mais do que as palavras. Assim, unindo-se palavras sinceras e os bons propósitos às ações boas, certamente que teremos condições de receber grande ajuda para superar as vicissitudes da vida. Assim sendo, podemos deduzir que tanto os que dizem não adiantar pedir à Deus em prece, como os que crêem que só o ato de orar solucionará seus problemas estão equivocados. O que deve prevalecer é o bom senso.
Deus não anulará as penas da sua lei de causa e efeito segundo os caprichos da cada um, porém, como as maiores dificuldades que enfrentamos em nossa vida presente são causadas pelas nossas ações equivocadas desta vida mesmo, poderão ser diminuídas quando fazemos a prece sincera juntamente com o firme propósito de mudança de comportamento A prece feita com fervor e confiança sempre trará, a quem a faz, benefícios, principalmente a força moral necessária para vencer as dificuldades, podendo também desviar de si os males que atrairia com o pensamento voltado para o mal e à más paixões.
Pela prece podemos fazer três coisas: louvar, pedir e agradecer. Infelizmente pelo nosso desconhecimento das leis divinas, normalmente apenas pedimos. Pior ainda, quase sempre pedimos benefícios materiais ou então que fiquemos livres das dificuldades, quando o mais saudável é pedirmos a Deus o entendimento para que posamos compreender as situações que nos cercam e que assim tenhamos a força para superá-los.
Mas, sem dúvida, a primeira prece deve ser no sentido de agradecer a Deus a oportunidade de termos mais esta experiência na matéria como ferramenta para nosso evolução rumo à perfeição para a qual fomos criados.

Delmo Martins Ramos
E-mail:
delmoramos@uol.com.br

"DESCOBRINDO A REENCARNAÇÃO"

Investimentos Prioritários no Centro Espírita
 
 
            A experiência acumulada, no Brasil especialmente, com as atividades desempenhadas pelos Centros Espíritas, nesses 151 anos de Espiritismo no planeta, permitem-nos refletir sobre nossa própria atuação, como espíritas obviamente, seja na tribuna, na liderança, na coordenação ou atividade propriamente dita de qualquer área de atuação. Pensemos, pois, com visão macro, sobre nosso movimento espírita.
            Em linhas gerais o movimento reflete o entendimento que temos, coletivamente, sobre a proposta apresentada pela Doutrina Espírita. Ele é muito positiva, pois através das décadas de história, construímos instituições, iniciamos e mantivemos atividades, despertamos dedicação, criamos mecanismos notáveis de divulgação e envolvimento com a causa, preocupamo-nos com a própria renovação individual, procuramos estudar, esforçamo-nos para agir com coerência e, claro, não há como negar, constituímos hoje expressivo movimento nacional que estende suas raízes e benefícios também para o exterior.
            Claro que há dificuldades. Somos criaturas humanas em aprendizado, o que torna as questões todas sempre mescladas com imperfeições, limitações e dificuldades próprias de nossa condição.
            Porém, reconheçamos, o movimento espírita nacional trabalha bastante, produz benefícios em toda parte. A inspiração do Espiritismo fincou raízes em todos os lugares, com bênçãos conhecidas, que nem é preciso relatar ou comentar. Basta observar o  quanto produzem as instituições orientadas pela Doutrina Espírita. Que o digam aqueles que mantêm contatos com as sociedades espíritas em todo país, como expositores, editoras, distribuidoras e órgãos que se ocupam de orientar, sugerir e estimular o movimento através de várias iniciativas doutrinárias, culturais, dentre outras. Estamos falando de nós, os espíritas, mas isto não exclui o esforço e trabalho de outras igualmente abençoadas denominações religiosas.
            Divulgação, obras de assistência (de variadas especificações), socorro e educação estão espalhados pelo território nacional, a olhos vistos.
            Há porém, uma prioridade para os investimentos do Centro Espírita. Que não exigem assim tanto recurso financeiro, mas deve merecer especial atenção dos dirigentes. Inclusive, referida prioridade é merecedora de um orçamento mensal ou anual, destinando recursos para essa finalidade: divulgação e atividades voltadas para o ensino espírita à criança e ao jovem. O estudo espírita igualmente é prioritário, mas essa área já conta com estrutura adequada, através de cursos, grupos e literatura disponível. Porém, criança, jovem e divulgação nem sempre são valorizados...
            Quando falamos em divulgação, trata-se de destinar recursos para viabilizar palestras de qualidade (despesas com viagens de expositores, hospedagem, folhetos, equipamentos quando necessários, etc), entre eventos, encontros e iniciativas que favoreçam a divulgação, incluindo a vasta e crescente literatura.
            Quanto à transmissão da educação espírita da criança e do jovem, esta talvez seja a prioridade absoluta de uma instituição. Preparar monitores, custear participação em eventos, disponibilizar locais, equipamentos e materiais adequados, programação e fidelidade à Codificação e ao Evangelho de Jesus, eis a prioridade máxima.
            E isso, embora possa não parecer, exige também um investimento. Que deve merecer nossa máxima atenção. Até usando um orçamento específico.
            Não há dúvida que o socorro material prestado pelas instituições é importantíssimo, todavia, não supera em importância a prioridade da educação espírita para jovens e crianças. Algo para pensar, não é mesmo? Afinal, trata-se de semear o amor e a lucidez nos corações. Que formarão homens de bem!
 

Um só caminho: o Evangelho



"A paz e a sabedoria divina sejam com todos. Vejo-vos falando incessantemente sobre a situação em que se encontra o homem da atualidade e a preocupação das pessoas de bem com o futuro desta humanidade. Não é segredo para vós que a cada semeadura a sua colheita, sem que lhe seja acrescentada um grão a mais do que foi plantado. Portanto não vos angustieis com o que não pode ser modificado, pois em breve tempo tereis vossos trabalhos ma is e mais multiplicados, pela quantidade de criaturas em sofrimento que buscarão as casas de socorro para o alívio de suas dores.
Os Espíritos de Deus estão a postos, e muitos já mergulhados na carne, para auxiliar o mundo na dolorosa fase de transição pelo qual o planeta passa, mas sabeis que o processo apenas se inicia. Muitas águas ainda terão que cair antes que a nova fase se estabeleça definitivamente. Não cansamos de vos alertar sobre os cuidados que tendes de adquirir nestes tempos de confusão onde o mal se movimenta com grande e espantosa facilidade entre os homens.
Bem vedes a rapidez com que os escândalos se sucedem e a facilidade com que a credibilidade das instituições humanas caem, sustentadas que são na ilusão das coisas transitórias. A sociedade choca-se diante do filho que criou voluntariamente para si e não compreende a razão de tanto sofrimento. Mãe da desolação e concupiscência, a imoralidade graça em todos os níveis e apenas não vê quem se mantém cego às evidências e surdo aos chamados da razão.
Só um caminho é capaz de retirar o homem desse atoleiro e conduzi-lo aos trilhos do equilíbrio. Chama-se Jesus. Apenas Sua mensagem evangélica é capaz de mostrar ao homem sua verdadeira face e despertar nele a necessidade de mudanças. Entretanto terá que ser de forma a erradicar verdadeiramente o mal que ainda existe em vós, e não adequando Seus ensinos aos condicionamentos psíquicos de pessoas imaturas e fracas, que não tem ainda a coragem de retirar as máscaras das imperfeições e pregam o erro com verniz de verdade, usando de suas prerrogativas de arautos do Senhor, conseguidos unicamente por conta da ignorância dos idólatras e cegueira dos fanáticos.
A esses, Jesus chamou casta de hipócritas, que são belos por fora mas cheios de podridão por dentro. Cairão com seus erros e levarão a muitos , mas não será sempre assim. Haverá um dia em que a verdade se mostrará com toda sua força e o joio será inevitavelmente queimado. Assim seja". - João, Espírito.

Sociedade de Estudos Espíritas Allan Kardec

quinta-feira, 24 de março de 2011

Infância
        
        O período infantil é o mais sério e o mais propício à assimilação dos princípios educativos. Até aos sete anos, o Espírito ainda se encontra em fase de adaptação para a nova existência que lhe compete no mundo. Nessa idade, ainda não existe uma integração perfeita entre ele e a matéria orgânica. Suas recordações do plano espiritual são, por isso, mais vivas, tornando-se mais suscetível de renovar o caráter e estabelecer novo caminho, na consolidação dos princípios de responsabilidade, se encontrar nos pais legítimos representantes do colégio familiar.

        Eis por que o lar é tão importante para a edificação do homem, e por que tão profunda é a missão da mulher perante as leis divinas.

        Passada a época infantil, credora de toda vigilância e carinho por parte das energias paternais, os processos de educação moral, que formam o caráter, tomam-se mais difíceis com a integração do Espírito em seu mundo orgânico material, e, atingida a maioridade, se a educação não se houver feito no lar, então, só o processo violento das provas rudes, no mundo, pode renovar o pensamento e a concepção das criaturas, porquanto a alma reencarnada terá retomado todo o seu patrimônio nocivo do pretérito e reincidirá nas mesmas quedas, se lhe faltou a luz interior dos sagrados princípios educativos.
[41a - página 72] - Emmanuel – 1940 – O Consolador

       O Espírito que anima o corpo de uma criança, pode até ser mais desenvolvido, quanto o de um adulto, se mais progrediu. Apenas a imperfeição dos órgãos infantis o impede de se manifestar. Obra de conformidade com o instrumento de que dispõe.
[9a - página 210 questão 379]  - Livro dos Espíritos 

        Desde que se trate de uma criança, é claro que, não estando ainda nela desenvolvidos, não podem os órgãos da inteligência dar toda a intuição própria de um adulto ao Espírito que a anima. Este, pois, tem, efetivamente, limitada a inteligência, enquanto a idade lhe não amadurece a razão. A perturbação que o ato da encarnação produz no Espírito não cessa de súbito, por ocasião do nascimento. Só gradualmente se dissipa, com o desenvolvimento dos órgãos.

        Há um fato de observação, que apóia esta resposta. Os sonhos, numa criança, não apresentam o caráter dos de um adulto. Quase sempre pueril é o objeto dos sonhos infantis, o que indica de que natureza são as preocupações do respectivo Espírito.
[9a - página 210 questão 380] – Livro dos Espíritos

        Durante a infância o Espírito encarnado não sofre, em conseqüência do constrangimento que a imperfeição dos órgãos lhe impõe. Esse estado corresponde a uma necessidade, está na ordem da Natureza e de acordo com as vistas da Providência. É um período de repouso do Espírito.
[9a - página 210 questão 382] – Livro dos Espíritos

       O choro é a primeira manifestação da criança ao nascer. Tem a finalidade de estimular o interesse da genitora e provocar os cuidados de que há mister. Admirai, pois, em tudo a sabedoria da Providência.
[9a - página 211 questão 384] – Livro dos Espíritos

       A meninice e a juventude são as épocas mais adequadas à construção da fortaleza moral com que a alma encarnada deve tecer gradativamente a coroa da vitória que lhe cabe atingir. Entretanto, é imperioso entender que, no Espírito consciente, a vontade simboliza o lavrador, e o adubo, a irrigação e a poda constituem o serviço incessante a que deve consagrar-se nossa vontade, na recomposição de nossos próprios destinos. Em vista disso, todo minuto da vida é importante para renovar e redimir, aprimorar e purificar.  

        Compreendamos que a tempestade, como símbolo de crise, surgirá para todos, em determinado momento, contudo, quem puder dispor de abrigo certo, superar-lhe-á os perigos com desassombro e valor.
[83 - página 95] – Livro Ação e Reação - Informações do Espírito André Luiz, conforme instruções do Espírito Sânzio. 

        Não olvides que a primeira escola da criança brilha no lar.  Abre teu coração à influência do Cristo - o divino escultor de nossa felicidade -, a fim de que o menino encontre contigo os recursos básicos para o serviço que o espera na edificação do reino de Deus.
Emmanuel - (Reformador - 10/953) [55 - página 197] – Livro Palavras de Emmanuel

Na urna do coração infantil, reside a decifração dos inquietantes enigmas da felicidade sobre o mundo.
Emmanuel - (Reformador - 10/953) [55 - página 197] – Livro Palavras de Emmanuel

A recuperação da mente infantil para o equilíbrio da vida planetária é trabalho urgente e inadiável, que devemos executar, se nos propomos alcançar o porvir com a verdadeira regeneração.
Emmanuel - (Reformador - 10/953) [55 - página 198] – Livro Palavras de Emmanuel

Como esperar o aprimoramento da Humanidade, sem a melhoria do Homem, e como aguardar o Homem renovado, sem o amparo à criança?
Emmanuel - (Reformador - 10/953) [55 - página 198] – Livro Palavras de Emmanuel


                                   MENSAGEM DA CRIANÇA

Dizes que sou o futuro,
Não me desampares no presente.

Dizes que sou a esperança da paz,
Não me induzas à guerra.

Dizes que sou a promessa do bem,
Não me confies ao mal.

Dizes que sou a luz dos teus olhos,
Não me abandones às trevas.
Não espero somente o teu pão,

Dá-me luz e entendimento.
Não desejo tão só a festa do teu carinho,

Suplico-te amor com que me eduques.
Não te rogo apenas brinquedos,

Peço-te bons exemplos e boas palavras.
Não sou simples ornamento de teu carinho,

Sou alguém que te bate à porta em nome de Deus.
Ensina-me o trabalho e a humildade, o devotamento e o perdão.

Compadece-te de mim e orienta-me para o que seja bom e justo.

Corrija-me enquanto é tempo, ainda que eu sofra...

Ajude-me hoje para que amanhã eu não te faça chorar.

          Meimei / Psicografado por Chico Xavier
          Colaboração de Nilma Medeiros

CASO DE PESADELO NARRADO POR ANDRÉ LUIZ

Personagens do texto abaixo:
Alexandre: Orientador de André Luiz, no plano espiritual.
Sertório... Auxiliar do Orientador de André Luiz.
André Luiz: Espírito que ditou o testo abaixo, por intermédio do médium Chico Xavier.

Vieira......  Encarnado que está sofrendo o pesadelo.
Barbosa...  Espírito com quem Vieira teve o pesadelo.
        Em poucos instantes, encontrávamo-nos dentro de quarto confortável, onde dormia um homem idoso, fazendo ruído singular. Via-se-lhe, perfeitamente, o corpo perispirítico unido à forma física, embora parcialmente desligados entre si. Ao seu lado, permanecia uma entidade singular, trajando vestes absolutamente negras. Notei que o companheiro adormecido permanecia sob impressões de doloroso pavor. Gritos agudos escapavam-lhe da garganta. Sufocava-se, angustiadamente, enquanto a entidade escura fazia gestos que eu não conseguia compreender.
        Sertório acercou-se de mim e observou: Vieira está sofrendo um pesadelo cruel.
        E indicando a entidade estranha: Creio que ele terá atraído até aqui o visitante que o espanta.
        Com efeito, muito delicadamente, Sertório começou a dialogar com a entidade de luto:   O amigo é parente do companheiro que dorme? —    Não, não. Somos conhecidos velhos. E, muito impaciente, acentuou: Hoje, à noite, Vieira me chamou com as suas reiteradas lembranças e acusou-me de faltas que não cometi, conversando levianamente com a família. Isso, como é natural, desgostou-me. Não bastará o que tenho sofrido, depois da morte? Ainda precisarei ouvir falsos testemunhos de amigos maledicentes? Não poderia esperar dele semelhante procedimento, em virtude das relações afetivas que nos uniam as famílias, desde alguns anos. Vieira foi sempre pessoa de minha confiança. Em razão da surpresa, deliberei esperá-lo nos momentos de sono, a fim de prestar-lhe os necessários esclarecimentos.
        O estranho visitante, todavia, fez uma pausa, sorriu irônico, e continuou:  Entretanto, desde o momento em que me pus a explicar-lhe a situação do passado, informando-o quanto aos verdadeiros móveis de minhas iniciativas e resoluções na vida carnal, para que não prossiga caluniando-me o nome, embora sem intenção, Vieira fez este rosto de pavor que estão vendo e parece não desejar ouvir as minhas verdades.
        Vieira não revelava compreender convenientemente o auxílio que lhe era trazido, fixando-nos com estranheza e ansiedade, intensificando, ainda mais, os gemidos gritantes que lhe escapavam da boca.
        Sentindo a silenciosa reprovação de Sertório, o habitante das zonas inferiores dirigiu-lhe a palavra de modo especial: O senhor admite que devamos ouvir impassíveis os remoquEs da leviaNdade? não será passível de censura e punição o amigo infiel que se vale das imposições da morte para caluniar e deprimir? Se Vieira sentiu-se no direito de acusar-me, desconhecendo certas particularidades dos problemas de minha vida privada, não é justo que me tolere os esclarecimentos até ao fim? Não sabe ele, acaso, que os mortos continuam vivos? ignorará, porventura, que a memória de cada companheiro deve ser sagrada? Ora esta! eu mesmo já lhe ouvi, em minha nova condição de desencarnado, longas dissertações referentes ao respeito que devemos uns aos outros... Não considera, pois, que tenho motivos justos para exigir um legítimo entendimento?!...
        O interpelado esboçou um gesto de complacência e observou: Talvez esteja com a razão, meu caro. Entretanto, creio deva desculpar seu amigo! Como exigir dos outros conduta rigorosamente correta, se ainda não somos criaturas irrepreensíveis? Tenha calma, sejamos caridosos uns para com os outros!...
        E, enquanto a entidade se punha a meditar nas palavras ouvidas, Sertório falou-me em tom discreto: Retirar violentamente a visita, cuja presença o próprio Vieira propiciou, não é tarefa compatível com as minhas possibilidades do momento. Mas podemos socorrê-lo, acordando-o.
        E, sem pestanejar, sacudiu o adormecido, energicamente, gritando-lhe o nome com força.
        Vieira despertou confuso, estremunhando, sob enorme fadiga, e ouvi-o exclamar, palidíssimo: Graças a Deus, acordei! que pesadelo terrível!... Será crível que eu tenha lutado com o fantasma do velho Barbosa? Não! não posso acreditar!...
        Vieira não nos viu, nem identificou a presença da entidade enlutada, que ali permaneceu até não sei quando. E, ao retirarmo-nos, ainda lhe notei as interrogações íntimas, indagando de si mesmo sobre o que teria ingerido ao jantar, tentando justificar o susto cruel com pretextos de origem fisiológica. Longe de auscultar a própria consciência, com respeito à maledicência e à leviandade, procurava materializar a lição no próprio estômago, buscando furtar-se à realidade.

André Luiz - 1943

"O ESPIRITISMO"

O caso Pinochet
Escreve: Delmo Martins Ramos
E-mail:
delmoramos@uol.com.br


Em 16 de outubro (1998) foi detido em Londres, a pedido do juiz espanhol Baltasar Gaston, o general Augusto Pinochet que comandou a ditadura militar no Chile de 1973 a 1990, período em que foram cometidas inúmeras atrocidades. Entre elas, as torturas e execuções sumárias com conseqüente morte e desaparecimento de pessoas.
O juiz espanhol pede a extradição do General para ser julgado na Espanha, por estar entre suas vítimas cidadãos espanhóis e por violações aos direitos humanos que vitimaram milhares de chilenos, o que pode ser caracterizado como genocídio. Além da Espanha, outros países, também manifestaram interesse em pedir sua extradição, para ser julgado por estes crimes.
Com sua prisão foi deflagrada uma batalha jurídica e política, tendo seus advogados iniciado a defesa invocando possível imunidade, em virtude dele ser senador vitalício no Chile, embora sua viagem à Inglaterra não tenha sido de caráter diplomático. Não sendo aceita esta tese, invocaram o direito a esta imunidade pelo fato de ser Chefe de Estado na época em que ocorreram os crimes dos quais é acusado, como se a investidura desta autoridade lhe desse o direito de agir como agiu.
Num primeiro momento sua detenção foi considerada ilegal pela Alta Corte britânica, mas na apelação para a Câmara dos Lordes, esta decisão foi anulada estando, pois, o General sujeito à extradição. Esta decisão, até certo ponto inesperada, cria um precedente histórico no tocante a punição de crimes deste tipo. Embora até ser julgado, se é que será, e uma possível condenação exista ainda um grande e difícil caminho a ser percorrido, percebe-se que um novo horizonte se delineia nas relações políticas entre os povos.
São inúmeros os ditadores que, após terem explorado seu povo, na maioria das vezes mediante o uso da força e do terror, vivem tranqüilamente como reis em outros países às custas de fortunas extorquidas de maneira vil. Nas décadas de 60 e 70 houve uma verdadeira safra de ditaduras militares na América Latina, que se igualaram pelas atrocidades, corrupção e desmandos, e nenhum dos seus patrocinadores respondem ou responderam pelos seus crimes. Ainda hoje vemos no Continente Africano, na Ásia e nos países árabes a mesma situação.
Partidários de ambos os lados têm-se manifestado e as pressões tem sido grandes. Surpreendentemente, alguns líderes políticos que sempre se caracterizaram pela ação democrática, entre eles Margareth Tatcher e Nelson Mandela, manifestaram-se favoravelmente à libertação do acusado, avalizando os atos cometidos pelo ditador.
É necessário compreender que as pessoas constituídas de autoridade não a tem como privilégio ou para satisfazer ao fútil poder do mando, não sendo portanto uma propriedade inalienável. Nos diz O Evangelho Segundo o Espiritismo: "O depositário da autoridade, de qualquer extensão que esta seja, desde o senhor sobre o escravo até o soberano sobre o povo, não deve esquivar-se à responsabilidade de um encarregado de almas, pois responderá pela boa ou má orientação que der aos seus subordinados, e as faltas que estes puderem cometer, os vícios a que foram arrastados em conseqüência dessa orientação ou dos maus exemplos recebidos, recairão sobre ele".
Aquele que detém a autoridade temporária tem que responder por ela aos comandados, à sua consciência e à Deus. Qual o bem que fez e o mal que impediu, que progresso material e moral impulsionou? Que fez pelos fracos e por aqueles colocados temporariamente sob sua responsabilidade?
No caso de Pinochet, seus partidários alegam que seu governo saneou a economia e modernizou o país. Mas será que estes benefícios, obrigação de toda autoridade constituída, são suficientes para justificarem tanta opressão, prepotência e violência?
Esperemos o resultado final da questão*. Mas, certamente, qualquer que seja seu fim, já temos um resultado palpável: o questionamento e discussão da responsabilidade das autoridades nas suas relações com o poder e de seus atos, que refletem positiva ou negativamente no dia-a-dia do cidadão comum.
Texto publicado no site em 03/12/98

A morte de Pinochet (*
resultado final da questão Pinochet aqui na Terra)

Jaime Leitão - Publicado em 12.12.2006

A morte do ditador que representou o governo mais sangrento da América Latina no século XX é emblemática. As manifestações no Chile são uma prova disso. Metade da população foi representada nas ruas, na Praça Itália, por uma multidão que comemorou o fim de um dos maiores tiranos, em um século que teve Hitler, Mussolini, Stalin. A outra metade foi representada pela elite em frente ao Hospital Militar, que foi chorar a morte do ditador e que sempre viu no militarismo uma forma de manter seu status, não se Importando com os milhares de mortes de estudantes e ativistas que aconteceram durante aquele regime. E essa divisão representa sempre um perigo para um continente que se equilibra na corda bomba entre a democracia e o poder militar disposto a entrar em cena com os seus métodos nada sutis quando tem uma chance.

Eu me lembro bem do golpe de 1973, que provocou a morte do presidente socialista Salvador Allende, dentro do Palácio presidencial, invadido pelas tropas lideradas por Pinochet, comandante-em-chefe das Forças Armadas do próprio governo, que incendiou o Palácio e matou Allende, que, na versão oficial, defendida até hoje, suicidou-se. Mesmo que tenha sido suicídio, ele ocorreu numa situação de extremo desespero de alguém que não aceitava aquela agressão contra a democracia e contra o seu governo.

O massacre no Estádio Nacional, com o fuzilamento de centenas de estudantes e ativistas, ainda ressoará durante décadas ou séculos como um grito daqueles que morreram enfrentando as armas desarmados e indefesos e foram sufocados pelo estampido das balas. O nome Pinochet soou no meu ouvido muitas vezes naqueles anos como símbolo maior do escárnio, da violência e da violação dos direitos humanos. Pinochet sempre foi para mim um palavrão, que me provocava engulhos, tristeza por lembrar, logo após pronunciá-lo, dos estudantes, professores universitários e de todos aqueles que tiveram a vida arrancada porque queriam liberdade e não aceitavam se submeter a viver sob a tirania das armas e da opressão.

Outra cena que me vem à cabeça é da foto mostrando o poeta chileno Pablo Neruda, um dia após o golpe, abatido e indignado por ver o seu país, que ele tanto amava se transformar em quartel de um general sanguinário. Duas ou três sem anas depois morria Neruda, de tristeza, naquele ano de 1973, considerado o mais aziago da história do Chile no século XX.

Pinochet apoiou a Inglaterra na Guerra das Malvinas, contra a Argentina, ficando ao lado da conservadora primeira-ministra, Margareth Tatcher, conhecida como dama-de-ferro, e que ontem, como se esperava lamentou a morte do antigo amigo e aliado. Fora ela, poucos líderes daquela época ou de hoje lamentarão a morte desse homem terrível. Os tiranos depois que morrem continuam tiranos.