AGRADANDO A SI MESMO
“Portanto, cada um de nós agrade ao
próximo no que é bom para edificação. Porque também Cristo não se agradou a si
mesmo”. Paulo aos Romanos, 15:1-3
A máxima “Amar ao próximo como a si mesmo” é uma daquelas frases
do Evangelho de Jesus que, de tão conhecida, ficou comum e caiu na banalidade
da repetição sem efeito. Todos a pronunciam instintivamente quando instados a
falar do amor, de caridade, de doação, quer seja para instruir outros, quer
seja legislando em causa própria. Muitos falam por falar, mas sem o fogo da
verdade que brota do coração do justo.
É belo falar das máximas de Jesus. Impressiona e toca o coração
dos mais sensíveis, quando quem fala tem em suas palavras o peso do exemplo.
Entretanto, a prática do dia a dia diz que, para a maioria dos homens, a frase
acima não passa de um amontoado de palavras. Isso se deve em parte por falta de
vontade das pessoas para o aprendizado, em parte por imaturidade espiritual e
muitas vezes pela interpretação equivocada que dão a esse ensino os que se
consideram arautos da Boa Nova, arrastando para os abismos da ignorância uma
infinidade de almas equivocadas.
O mundo está abarrotado de tolices, como se sabe. A cada dia
surge mais e mais seitas e doutrinas humanas que, pegando carona nos ensinos do
Cristianismo, ditam normas, fazem adeptos e atraem incautos para suas fileiras.
E dentre os enganados não estão apenas os mais simples, mas aqueles que se
dizem bem dotados intelectualmente. Esses, muitas vezes sem se aperceberem, dão
guarida a doutrinas mundanas, assim chamadas por atenderem unicamente aos
interesses da matéria, embora se apresentem muito bem encapadas com rótulo de
ciência do comportamento, entremeadas por pensamentos espiritualistas que
trabalham a auto-estima do ser.
Nos últimos anos viu-se alastrar no seio das sociedades
ocidentais a doutrina do egoísmo, do orgulho, da exaltação da personalidade. Chamada
pomposamente de auto-ajuda, neurolinguística, holismo e quejandos, essa falsa
filosofia induz o homem a pensar que para amar ao próximo o homem precisa
primeiro amar a si mesmo. Nesse esforço passa toda a sua vida preocupado
consigo, freqüentando os divãs dos analistas, bancos de igrejas, palestras em
centros espíritas, templos budistas, evangélicos ou o que o valha. São pessoas
na maioria atormentadas, infelizes, insatisfeitas com a vida que levam e que
acreditam encontrar a paz e a felicidade nas explicações sobre seus traumas,
suas experiências frustrantes, suas complicadas relações com afetos ou
desafetos. Perdem, muitas vezes, a oportunidade de crescer justamente por se
voltar unicamente para si, durante toda uma existência.
Esse pensamento, que permeia a maioria das filosofias
superficiais existentes atualmente, encontrou terreno fértil entre os imaturos
do mundo, e os livros sobre o assunto assumiram os primeiros lugares em vendas
nas sociedades ocidentais. Já se sabe, de longas datas, que o homem procura
sempre o que é mais fácil. Por preguiça ou ignorância busca sempre os atalhos
na esperança de ter menos trabalho, despender menos esforço. Por essa razão,
envolve-se com facilidade em coisas dessa natureza, com doutrinas falsas que
não exigem muito esforço da criatura e que, pelo contrário, sopram doces
palavras de elogios em seus ouvidos, estimulando o tão festejado ego. Acreditam
cegamente que o ego é o grande motor de suas realizações. Quanto mais amarem a
si mesmos, mais amarão aos outros. É o que pensam e o que ensinam os
pseudo-mestres. E nessa ilusão as pessoas vivem, sofrem, fazem sofrer,
atormentam-se e escravizam-se cada vez mais em seus problemas, tribulações e
dificuldades.
Entretanto, Jesus em todos os seus discursos ensinou que apenas
um caminho há para que a criatura encontre sua paz interior, o caminho da
felicidade verdadeira: a Caridade. Mas a caridade segundo o que Ele ensina, ou
seja, a prática absoluta do amor. Segundo os Espíritos superiores, Jesus
entende a caridade como benevolência para com todos, indulgência para com as
imperfeições alheias e perdão das ofensas. Perguntamos: o que isso tem a ver
com o amar a si mesmo? Nada. Mas tem tudo a ver com o amar ao próximo. Ou seja,
primeiro se compreende porque se deve e como se deve amar o próximo, e a partir
de então começa-se a vislumbrar uma prática diferente de vida, cultivando os
valores verdadeiros do Espírito, conquistados com a prática desse amor ao
próximo. Em resumo, o homem ama o próximo porque já tem o amor em si, que é
tanto maior quanto mais ele compreende as leis de Deus e os objetivos da vida.
Jesus, sabedor da natureza egoísta do homem em seu atraso
espiritual, colocou a medida do amor no outro e não em si mesmo. O amor que se
tem pelo outro é que demonstra a qualidade moral do Espírito e não o contrário.
A pessoa que não se dispõe a servir, não se dispõe a amar. E se não se dispõe a
amar é porque ainda está preocupado apenas consigo mesma, criando problemas
existenciais às vezes inexistentes até aquela oportunidade. Interpelado pelos
seus amigos sobre quem era o maior dentre eles, o Mestre censurou-os
demonstrando que o maior era quem servia mais. E disse: “Eu não vim aqui para
ser servido, mas para servir”. Ele se postava como servo e os homens se postam
como senhores. Eis a dimensão do abismo entre o que quer Jesus e o que deseja o
homem.
Qual razão Jesus teria de nos pedir para atender os nus, amparar
os enfermos, visitar os encarcerados, curar as doenças, saciar a fome e a sede
dos necessitados, se não fosse para, através da prática do amor ao próximo,
construir um edifício de virtudes para o Espírito imortal? Como poderá o homem
amar-se primeiro com tanto a fazer pelo outro? Como pode a criatura pretender
ser feliz com tanto sofrimento na face do planeta? Só o egoísmo e orgulho do
Espírito podem justificar tal pensamento. O amar a si mesmo, portanto, conforme
ensina Jesus, longe está do entendimento que é dado pelos homens.
Urge que se tenha um outro entendimento sobre esta máxima. Amar
ao próximo é a Lei Maior, através da qual o homem alcançará os degraus da
sabedoria e da felicidade plenas. É necessário que se tenha cautela com os
arautos da doutrina do egoísmo que se alastrou pelo mundo e se transformou em
uma grave enfermidade moral da qual o homem terá de se livrar um dia, mas que,
por agora, envolve com facilidade boa parte do planeta. Ela vem com a capa do
bem, do altruísmo, da reforma interior, mas não passa de artimanhas utilizadas
pelos Espíritos inferiores para manter o mundo no atraso, mantendo o homem em
sua condição de imperfeição. Infelizmente essas entidades infelizes encontram
uma multidão de pessoas que lhes dão ouvidos e contam com a ajuda de
personalidades importantes, no campo religioso ou fora dele, para semear a
inutilidade, passando-se por mestres. Na verdade são cegos conduzindo cegos.
Cairão no abismo, conforme profetizou Jesus.
Vanda Simões
Texto publicado no em 25/11/2000