quinta-feira, 24 de março de 2011

O caso Pinochet
Escreve: Delmo Martins Ramos
E-mail:
delmoramos@uol.com.br


Em 16 de outubro (1998) foi detido em Londres, a pedido do juiz espanhol Baltasar Gaston, o general Augusto Pinochet que comandou a ditadura militar no Chile de 1973 a 1990, período em que foram cometidas inúmeras atrocidades. Entre elas, as torturas e execuções sumárias com conseqüente morte e desaparecimento de pessoas.
O juiz espanhol pede a extradição do General para ser julgado na Espanha, por estar entre suas vítimas cidadãos espanhóis e por violações aos direitos humanos que vitimaram milhares de chilenos, o que pode ser caracterizado como genocídio. Além da Espanha, outros países, também manifestaram interesse em pedir sua extradição, para ser julgado por estes crimes.
Com sua prisão foi deflagrada uma batalha jurídica e política, tendo seus advogados iniciado a defesa invocando possível imunidade, em virtude dele ser senador vitalício no Chile, embora sua viagem à Inglaterra não tenha sido de caráter diplomático. Não sendo aceita esta tese, invocaram o direito a esta imunidade pelo fato de ser Chefe de Estado na época em que ocorreram os crimes dos quais é acusado, como se a investidura desta autoridade lhe desse o direito de agir como agiu.
Num primeiro momento sua detenção foi considerada ilegal pela Alta Corte britânica, mas na apelação para a Câmara dos Lordes, esta decisão foi anulada estando, pois, o General sujeito à extradição. Esta decisão, até certo ponto inesperada, cria um precedente histórico no tocante a punição de crimes deste tipo. Embora até ser julgado, se é que será, e uma possível condenação exista ainda um grande e difícil caminho a ser percorrido, percebe-se que um novo horizonte se delineia nas relações políticas entre os povos.
São inúmeros os ditadores que, após terem explorado seu povo, na maioria das vezes mediante o uso da força e do terror, vivem tranqüilamente como reis em outros países às custas de fortunas extorquidas de maneira vil. Nas décadas de 60 e 70 houve uma verdadeira safra de ditaduras militares na América Latina, que se igualaram pelas atrocidades, corrupção e desmandos, e nenhum dos seus patrocinadores respondem ou responderam pelos seus crimes. Ainda hoje vemos no Continente Africano, na Ásia e nos países árabes a mesma situação.
Partidários de ambos os lados têm-se manifestado e as pressões tem sido grandes. Surpreendentemente, alguns líderes políticos que sempre se caracterizaram pela ação democrática, entre eles Margareth Tatcher e Nelson Mandela, manifestaram-se favoravelmente à libertação do acusado, avalizando os atos cometidos pelo ditador.
É necessário compreender que as pessoas constituídas de autoridade não a tem como privilégio ou para satisfazer ao fútil poder do mando, não sendo portanto uma propriedade inalienável. Nos diz O Evangelho Segundo o Espiritismo: "O depositário da autoridade, de qualquer extensão que esta seja, desde o senhor sobre o escravo até o soberano sobre o povo, não deve esquivar-se à responsabilidade de um encarregado de almas, pois responderá pela boa ou má orientação que der aos seus subordinados, e as faltas que estes puderem cometer, os vícios a que foram arrastados em conseqüência dessa orientação ou dos maus exemplos recebidos, recairão sobre ele".
Aquele que detém a autoridade temporária tem que responder por ela aos comandados, à sua consciência e à Deus. Qual o bem que fez e o mal que impediu, que progresso material e moral impulsionou? Que fez pelos fracos e por aqueles colocados temporariamente sob sua responsabilidade?
No caso de Pinochet, seus partidários alegam que seu governo saneou a economia e modernizou o país. Mas será que estes benefícios, obrigação de toda autoridade constituída, são suficientes para justificarem tanta opressão, prepotência e violência?
Esperemos o resultado final da questão*. Mas, certamente, qualquer que seja seu fim, já temos um resultado palpável: o questionamento e discussão da responsabilidade das autoridades nas suas relações com o poder e de seus atos, que refletem positiva ou negativamente no dia-a-dia do cidadão comum.
Texto publicado no site em 03/12/98

A morte de Pinochet (*
resultado final da questão Pinochet aqui na Terra)

Jaime Leitão - Publicado em 12.12.2006

A morte do ditador que representou o governo mais sangrento da América Latina no século XX é emblemática. As manifestações no Chile são uma prova disso. Metade da população foi representada nas ruas, na Praça Itália, por uma multidão que comemorou o fim de um dos maiores tiranos, em um século que teve Hitler, Mussolini, Stalin. A outra metade foi representada pela elite em frente ao Hospital Militar, que foi chorar a morte do ditador e que sempre viu no militarismo uma forma de manter seu status, não se Importando com os milhares de mortes de estudantes e ativistas que aconteceram durante aquele regime. E essa divisão representa sempre um perigo para um continente que se equilibra na corda bomba entre a democracia e o poder militar disposto a entrar em cena com os seus métodos nada sutis quando tem uma chance.

Eu me lembro bem do golpe de 1973, que provocou a morte do presidente socialista Salvador Allende, dentro do Palácio presidencial, invadido pelas tropas lideradas por Pinochet, comandante-em-chefe das Forças Armadas do próprio governo, que incendiou o Palácio e matou Allende, que, na versão oficial, defendida até hoje, suicidou-se. Mesmo que tenha sido suicídio, ele ocorreu numa situação de extremo desespero de alguém que não aceitava aquela agressão contra a democracia e contra o seu governo.

O massacre no Estádio Nacional, com o fuzilamento de centenas de estudantes e ativistas, ainda ressoará durante décadas ou séculos como um grito daqueles que morreram enfrentando as armas desarmados e indefesos e foram sufocados pelo estampido das balas. O nome Pinochet soou no meu ouvido muitas vezes naqueles anos como símbolo maior do escárnio, da violência e da violação dos direitos humanos. Pinochet sempre foi para mim um palavrão, que me provocava engulhos, tristeza por lembrar, logo após pronunciá-lo, dos estudantes, professores universitários e de todos aqueles que tiveram a vida arrancada porque queriam liberdade e não aceitavam se submeter a viver sob a tirania das armas e da opressão.

Outra cena que me vem à cabeça é da foto mostrando o poeta chileno Pablo Neruda, um dia após o golpe, abatido e indignado por ver o seu país, que ele tanto amava se transformar em quartel de um general sanguinário. Duas ou três sem anas depois morria Neruda, de tristeza, naquele ano de 1973, considerado o mais aziago da história do Chile no século XX.

Pinochet apoiou a Inglaterra na Guerra das Malvinas, contra a Argentina, ficando ao lado da conservadora primeira-ministra, Margareth Tatcher, conhecida como dama-de-ferro, e que ontem, como se esperava lamentou a morte do antigo amigo e aliado. Fora ela, poucos líderes daquela época ou de hoje lamentarão a morte desse homem terrível. Os tiranos depois que morrem continuam tiranos.

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