REUNIÃO
MEDIÚNICA NO TABOR
Mateus, 17:1-13 Marcos, 9:2-13 Lucas, 9:28-36
Alguém não
familiarizado com a Doutrina Espírita poderá estranhar o título deste artigo,
que se reporta a um dos acontecimentos mais significativos do apostolado de
Jesus.
Reunião
mediúnica no Tabor?
O intercâmbio
com o Além não foi instituído pelo Espiritismo?
Negativo.
Sabemos que
sempre existiu, desde as culturas mais antigas, envolvendo grupos e indivíduos.
No tempo de
Moisés havia tantos abusos que ele decidiu proibir o intercâmbio.
Isso está
registrado em dois livros do Pentateuco mosaico.
Levítico,
19:31:
Não vos
voltareis para os médiuns, nem para os feiticeiros, a fim de vos contaminardes
com eles... Deuteronômio, 18:10-11: Não haja no teu meio quem faça passar pelo
fogo o filho ou a filha, nem adivinhador, nem prognosticador, nem agoureiro,
nem feiticeiro, nem encantador, nem necromante, nem mágico, nem quem consulte
os mortos.
Impertinentes
contestadores do Espiritismo apegam-se a essa proibição, o que é uma tolice.
Moisés
legislava para seus contemporâneos.
Suas
orientações diziam respeito ao povo judeu, em determinado tempo, não para a
Humanidade, em todos os tempos.
Se alguém
pretende cumprir essa orientação, tudo bem. Só que, por coerência, deve
observar toda a legislação mosaica.
Alguns
exemplos:
Os filhos
devem pagar pelos pecados dos pais (Êxodo, 20:5);
Quem trabalhar
no sábado será morto (Êxodo, 35:2);
Animais e aves
serão sacrificados, sangue espargido sobre altares, atendendo a variados
objetivos (Levítico, capítulos 1
a 7);
Quando morrer
o homem sem deixar descendentes, seu irmão deverá casar-se com a viúva
(Deuteronômio, 25:5);
Os filhos
desobedientes e rebeldes, que não ouçam seus pais e se comprometam no vício,
serão apedrejados até a morte (Deuteronômio, 21:18-21);
É proibido
comer carne de porco, lebre ou coelho (Levítico, 11:5-7);
O
homossexualismo será punido com a morte (Levítico, 20:13);
A zoofilia
sexual será punida com a morte (Levítico, 20:15-16);
Deficientes
físicos estão proibidos de aproximar-se do altar do culto, para não profaná-lo
com seu defeito (Levítico, 21:17-23);
O hanseniano deve
ser segregado da vida social, vivendo no isolamento (Levítico, capítulo 13);
Os adúlteros
serão apedrejados até a morte (Deuteronômio, 22:22);
A blasfêmia
contra Deus será punida com o apedrejamento, até a morte (Levítico, 24:15-16);
Quanto à mulher, em particular:
Ao dar à luz
um menino ficará impura por 40 dias. Se for uma menina ficará impura 80 dias
(Levítico, 12:1-5);
A noiva que
simular virgindade ao casar-se será apedrejada até a morte (Deuteronômio,
22:21);
Descontente
com a esposa, o homem poderá dispensá-la, sem nenhuma compensação, dando-lhe
carta de divórcio (Deuteronômio, 24:1);
Se as piedosas
representantes de movimentos pentecostais, tão empolgadas com a Bíblia,
tomassem conhecimento do que há contra elas no Velho Testamento, certamente
mudariam de opinião.
Qualquer
pessoa de bom senso constatará que essas orientações estão totalmente
superadas, mero folclore para o nosso tempo.
Ora, por que
cargas d’água haveremos de considerar que a proibição quanto à evocação dos
mortos é inamovível? Ficou bem no tempo de Moisés, para coibir os excessos do
povo. Não tem nada a ver com o nosso tempo, principalmente a partir da Doutrina
Espírita, que disciplina o intercâmbio com o Além.
Outro detalhe:
As pessoas que combatem o Espiritismo, apegando-se aos textos bíblicos,
proclamam ser impossível o contato com os mortos.
Contrariam o
próprio Moisés que, ao proibi-lo, passou atestado de que é possível.
Ocioso
legislar sobre o impossível.
Exemplo:
Proibir o homem de volitar....
Havia abusos,
o que ocorre ainda hoje – a velha tendência de apelar aos Espíritos para
resolver problemas imediatistas. Foi por isso que Moisés adotou a medida
extremada. Convenhamos que houve
excesso de zelo, algo como suprimir o passe magnético no Centro Espírita porque
existem os “papa-passes”, que fazem desse benefício uma rotina. As pessoas
devem ser orientadas em relação aos excessos, jamais impedidas de buscar os
recursos espirituais. O equívoco de Moisés foi corrigido por Jesus, que
reinstituiu o contato com os mortos. Mesmo depois de sua morte, cultivou o
intercâmbio, materializando-se diante dos assombrados discípulos....
A reunião
mediúnica que Jesus se propôs realizar aconteceu no alto de um monte,
provavelmente o Tabor, que fica a sudeste de Nazaré. Estavam presentes Simão
Pedro, João e seu irmão Tiago, enquanto os demais discípulos atendiam à
multidão, ao pé do monte. Os três eram os discípulos de maior afinidade com
Jesus e os que mais se destacariam no colégio apostólico.
Paulo os
chamaria “as colunas da comunidade” (Gálatas, 2:9). Provavelmente eram os mais
bem dotados para a reunião que Jesus se propusera realizar. Subida cansativa, o
monte fica a 580 metros
acima do nível do mar, e aproximadamente 300 metros em relação à
planície onde se ergue. Ofegantes, após a longa subida, os discípulos
assombraram-se com um fenômeno inesperado que ocorreu com Jesus.
Segundo
Mateus: (...) foi transfigurado diante deles: seu rosto resplandeceu como o
sol, e suas vestes tornaram-se brancas como a luz. A transfiguração é um
notável fenômeno espiritual que pode acontecer por mediunismo ou animismo. No
mediunismo, há uma alteração das feições do médium, que assume a aparência do Espírito
comunicante. No animismo, o fenômeno manifesta-se na forma de intensa
luminosidade que envolve o indivíduo, emanada dele próprio e das esferas mais
altas com as quais sintoniza naquele momento. Foi o que aconteceu com Jesus.
Surgiram ao seu lado dois ilustres representantes do Velho Testamento: Moisés,
o grande legislador, que vivera há 1.250 anos. Elias, o combativo profeta, que
vivera há 800 anos. Ali estavam materializados – visíveis e tangíveis. Simão
Pedro, sempre o mais ativo, observando Jesus conversar com os dois Espíritos,
animou-se:
– Senhor, é
bom estarmos aqui; se queres, farei três tendas: uma para ti, outra para Moisés
e outra para Elias. O Evangelista Marcos, que certamente colheu
informações do próprio Pedro, afirma que ele assim falou por não saber o que
dizer, porquanto estavam todos apavorados. Como já acontecera em outras
oportunidades, o contato com os Espíritos assustou os discípulos, o que não é
novidade. A falta de familiaridade com os desencarnados sempre infunde temor.
É a temida
assombração. As pessoas preferem enfrentar a presença de um malfeitor vivo ao
benfeitor morto. Certamente, mais assustados ficaram os discípulos quando
surgiu uma nuvem brilhante, de onde ouviram uma voz que proclamava:
– Este é o meu
filho amado, em quem me comprazo. Ouvi-o. Repetiu-se o fenômeno mediúnico de
voz direta que ocorreu quando Jesus se encontrou com João Batista, às margens
do Jordão (Marcos, 1:11). Mentores espirituais realizavam essas intervenções,
procurando sedimentar nos discípulos a convicção de que Jesus era o Messias,
que viera à Terra investido de grandiosos poderes, como um representante de
Deus. Era preciso ouvi-lo, dar atenção às suas orientações, que
consubstanciavam uma revelação divina, tendente a imprimir novos rumos à
Humanidade, nos caminhos do progresso. Após esses espantosos acontecimentos,
Moisés e Elias retiraram-se. Encerrada a reunião mediúnica, Jesus
recomendou-lhes que nada comentassem a respeito. Não era chegado o tempo de
divulgar aquelas maravilhas....
Os discípulos
exprimiram uma dúvida:
– Por que
dizem os escribas ser preciso que Elias venha primeiro? Segundo as profecias,
Elias voltaria à Terra, como o precursor, aquele que prepararia os caminhos do
Senhor. Se Jesus era o Messias, por que não viera Elias antes? Por que só agora
se apresentara? Jesus respondeu: —
Certamente, Elias vem primeiro e restaurará todas as coisas, mas eu vos digo
que Elias já veio e não o conheceram, antes fizeram com ele tudo o que
quiseram; assim também o filho do Homem há de padecer por parte deles. A
passagem evangélica termina com o seguinte comentário de Mateus: Então os discípulos souberam que lhes
falara a respeito de João Batista. Os teólogos insistem que Jesus se referia a
alguém igual a Elias, que viria anunciar sua vinda. Contrariam o próprio texto.
Jesus afirma que ambos eram a mesma pessoa.
Malaquias
(4:5) diz claramente que seria enviado o profeta Elias, e não alguém que se
parecesse com ele. Oportuno destacar que no episódio da transfiguração João
Batista já tinha retornado à espiritualidade, decapitado a mando de
Heródes.
O ilustre visitante apresentar-se como Elias,
não como João Batista, é compreensível.
O Espírito
superior dá à forma perispiritual a aparência que deseje ou que lhe pareça
conveniente. Interessante notar, a esse respeito, as experiências de Emmanuel,
o mentor espiritual de Chico Xavier. Foi:
l Nestório, o
escravo, no livro 50 Anos Depois.
l Padre Manoel
de Nóbrega, fundador de São Paulo.
l Padre
Damiano, do livro Renúncia. No entanto, consta apresentar-se como o senador
romano Públio Lentulus, do livro Há 2000 Anos, talvez por ter sido a existência
que lhe falou mais intimamente ao coração. Marcou seu glorioso encontro com
Jesus.
A
transfiguração tinha por objetivo animar os discípulos e sedimentar a idéia de
que Jesus era um ser superior, em missão na Terra. Ao mesmo tempo estabelecia
uma conexão com o velho Testamento, representado por dois de seus expoentes. O
Cristianismo deveria situar-se como um desdobramento do Judaísmo. Iluminaria as
antigas crenças com a revelação do Deus pai, que substituía Jeová, o deus
guerreiro, estabelecendo as bases de um reino divino, a partir do exercício do
amor, que irmanaria todos os homens. Imbuídos do espírito da raça, com a
pretensão de povo escolhido, dispostos a conquistar o mundo com a liderança de
Jeová, os judeus rejeitaram a mensagem e mataram o mensageiro. Por isso o
Evangelho floresceu fora do Judaísmo, dando origem a novo movimento
religioso....
Algo
semelhante ocorreu com o Espiritismo. Poderia ser um desdobramento natural do
Cristianismo, ajudando-o a depurar- se de suas mazelas. Ocorre que os círculos
religiosos estavam aferrados ao materialismo e negavam veementemente a
possibilidade de intercâmbio com o Além. Lamentável paradoxo, tanto maior
quando lembramos que Jesus conversava com os Espíritos, o mesmo acontecendo com
a primitiva comunidade, orientada pelo Espírito Santo, designação genérica dos
Espíritos Superiores que se manifestavam em seu seio. A supressão do fenômeno
mediúnico na comunidade cristã fechou a porta de acesso ao mundo espiritual. A
partir daí os teólogos passaram das revelações celestes para as especulações
terrestres, e surgiu uma doutrina fantasiosa, fixada pelo dogma, este
instrumento terrível de aniquilamento da razão. Por isso o Espiritismo teve que
se manifestar fora dos círculos religiosos.
Reinstituído o
intercâmbio com o Além, fenômenos como a materialização dos profetas voltaram a
ocorrer. Alertam sobre nossas responsabilidades, ante a certeza da vida que não
acaba nunca e onde nunca está ausente a justiça de Deus.?
RICHARD SIMONETTI
Retirado da Revista Reformador de Out/2001
FEB http://www.feb.org.br