A SUJEIRA SOB O TAPETE
Muito se tem falado sobre a onda de violência que assola o país, que tem levado
a população ao pânico e, como consequência imediata, criam-se condições para a
volta da discussão da inclusão da pena de morte em nosso código penal. Nos
últimos dias foi encaminhada, para tramitação no Congresso, uma emenda
constitucional de um plebiscito sobre a pena capital para sequestro seguido de
morte.
O momento é inoportuno para propor um plebiscito de assunto tão
grave pois, em meio a rebeliões, fugas de presídios, crimes com requintes de
crueldade, assassinatos por motivos fúteis e outros atos de violência, a
população está acuada e, num clima altamente emocional, não terá a serenidade
necessária para tomar uma decisão tão importante. Haja visto que, numa pesquisa
feita no calor destes fatos, apenas 27,8 % responderam serem contrários à pena
de morte, enquanto 67,1 % responderam sim, divididos em 38,6 % totalmente a
favor e 28,5 % a admitindo apenas para alguns tipos de crimes, como o sequestro.
A pena de morte torna legal o assassinato e serve apenas como
atestado de sociedade primitiva, voltando aos tempos do olho por olho e dente
por dente, além de vir comprovar a falência e o fracasso do sistema vigente em
nossa sociedade que não consegue educar, dar um mínimo de dignidade à grande
parte da população e, tampouco, protege o cidadão. Também demonstra que
efetivamente a influência das religiões sobre seus fiéis é insignificante,
quando se trata de assuntos mais graves, pois é surpreendente que uma população
considerada religiosa deseje tirar a vida de um ser humano como castigo pelos
seus atos.
A experiência secular nos mostra que a pena de morte não diminui
a criminalidade, caso contrário teríamos hoje um mundo pacificado, já que a
pena de morte é quase tão antiga quanto a humanidade. Ao contrário, a ameaça da
perda da vida, no caso de prisão, pode fazer o criminoso ser ainda mais contundente
em suas ações, mesmo porque ao cair no crime já sabe que sua vida não tem mais
nenhum valor. Neste sentido, a rigor, a pena de morte não será para o criminoso
um castigo.
Nos países onde a pena de morte é instituída, não houve
diminuição significativa dos crimes e, quando isto aconteceu, como se divulgou
recentemente ter acontecido na América, não é pela pena em si, já que lá foi
restituída em 1976 e neste período só vinha aumentado a violência; mas por uma
série de medidas conjuntas, como: maior repressão ao crime, combate sistemático
contra o tráfico de drogas, diminuição da impunidade, práticas conhecidas como
"tolerância zero" e, mais importante, reaquecimento da economia com
mais empregos e melhores condições de vida à população daquele país que, embora
rico, ainda tem bolsões de miséria.
Num país como o nosso, onde 95% da população carcerária é
formada de pobres e que 87% não tem condições sequer de contratar um advogado;
onde apenas 34 crimes foram a julgamento, dos cerca de 1301 praticados contra
menores nos últimos anos no Rio de Janeiro; onde o sistema Judiciário não
funciona e os processos se perdem nos tortuoso caminhos da Justiça literalmente
cega; onde os ricos e poderosos dificilmente são punidos; onde há um forte
preconceito racial e social; há clima para julgar com isenção e não correr o
risco de condenar à morte um inocente?
Paralelamente a esta discussão, outra sugestão tem encontrado
grande apoio entre a população. Trata-se da diminuição da responsabilidade
criminal de 18 para 16 anos, como se só isto bastasse para acabar com a
criminalidade entre os menores de idade. Apesar do alto índice de crimes
praticados por menores, 90% dos homicídios ocorridos em S. Paulo são praticados
por adultos, afinal, estes criminosos não deixaram de sê-lo por terem passado à
maioridade.
Cabe à sociedade como um todo cuidar de seus membros,
principalmente dos mais necessitados. É preciso que haja uma melhor
distribuição de renda, emprego com salários dignos, educação para todas as
crianças e, ao mesmo tempo, leis severas para penalizar os infratores, porem,
sempre com o objetivo de reeducá-los. No nosso sistema carcerário, ao
contrário, as penitenciárias funcionam como verdadeiras escolas do crime, onde
os detentos vivem em condições subhumanas.
A adoção de penas alternativas para réus primários que cometeram
delitos mais leves, outra sugestão que tem sido feita por renomados juristas,
pode ser uma boa medida, se for implantada com o propósito de educar. Não pode,
porém, ser utilizada para criminosos reincidentes ou para crimes mais graves,
tampouco apenas com o objetivo de diminuir a população carcerária. Os crimes
hediondos devem ser punidos rigorosamente com penas de reclusão maiores onde o
criminoso possa trabalhar, estudar e ter a assistência psicológica adequada
para melhor refletir sobre seus crimes.
Muitos acreditam que não é viável a reeducação de presidiários,
em função do inexpressivo número de detentos que conseguiram se recuperar .
Porém se, mesmo diante da atual situação do nosso sistema carcerário, alguns
conseguiram superar tais dificuldades e se recuperaram, quantos não poderiam
ser reintegrados à sociedade e tornarem-se cidadãos produtivos com uma política
carcerária mais humana e com condições mais adequadas? Além do mais, não há de
se pré julgar quem vai ou não se recuperar. Deve-se dar a todos a oportunidade
de refazerem suas vidas, ficando com o mérito aqueles que se aproveitarem da
oportunidade e ficarão nos desenganos os que forem renitentes nos seus erros.
Quanto à pouca influência das religiões sobre seus fiéis sobre
temas tão graves comentada acima, verificamos que a Doutrina Espírita oferece o
maior argumento contra a pena de morte ao demonstrar que a morte não existe.
Assim, ao punir o indivíduo com a pena de morte para seu corpo físico, estará
na verdade apenas agravando ainda mais sua situação, podendo provocar a revolta
em seu espírito que ficará vagando pela escuridão em busca de vingança e,
aliando-se a outros de seu nível, poderá dar inicio a terríveis processos obsessivos.
Por outro lado, ao ser o criminoso reeducado, estará preparado para ser
reintegrado à sociedade e apto a ser melhor não só nesta vida mas,
principalmente, para a vida eterna. Aliás, a educação para a vida eterna, deve
ser a preocupação maior do homem em todos os sentidos.
Verifica-se que, sem dúvida, a humanidade passa por momentos
difíceis, onde as populações dos países mais pobres, como o nosso, sofrem ainda
mais as consequências das crises econômicas, sociais e morais. A nação precisa
enfrentar todos os seus problemas frente a frente e que buscar as soluções, no
entanto, é necessário esclarecer devidamente a população para que a sociedade,
como um todo, encontre as causas de toda a problemática e não fique apenas
atacando seus efeitos.
Eliminar pura e simplesmente aqueles que não se enquadrem às
normas e leis, é uma solução cômoda, porém, além de ser uma atitude contrária
aos ensinamentos cristãos, sabidamente não resolve o problema definitivamente e
estará, a sociedade, apenas jogando para baixo do tapete suas misérias humanas.
Escreve: Delmo
Martins Ramos
Texto publicado no
site em 29/10/99. Mais de uma década se passou e, como está a situação nos dias
de hoje? Pense nisso.