quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

CENTRO ESPÍRITA OU IGREJA?

 Casa cheia. As pessoas se movimentam com rapidez buscando seus lugares. Encontram conhecidos, comentam a meia voz sobre o resultado do último jogo, o custo de vida, a desvalorização do real ou o capítulo da novela, enquanto aguardam. Na hora marcada iniciam-se as atividades. Alguém faz uma prece e em seguida começa um belo canto evocando a paz, o amor, a fraternidade. Depois, uma música do acervo popular, afinal é tempo de modernidade.
Às vezes, as empolgadas vozes entoam mais de um canto, embaladas ou não por um violão ou teclado. Também pode ser meia dúzia de jovens de boa-vontade, que timidamente entoam canções com suas pastinhas de cantos. Em seguida iniciam as pregações, depois as "bênçãos". A seguir, para encerrar, mais cantos. Pronto! Missão cumprida para ambos os lados. Todos vão para casa por terem cumprido sua obrigação de bons cristãos. Se algum ensinamento ficou, não se sabe, mas que importa? Aqueles momentos de convívio "traz uma paz enorme", dizem. Quem pensou que estamos tratando da Igreja Católica tradicional ou carismática, enganou-se. Estamos dentro de um Centro Espírita.
Não são poucas as casas espíritas do país que adotam o procedimento de entoar cantos e hinos nas reuniões públicas. Existem centros que distribuem até hinários entre os frequentadores para que a cantoria seja acompanhada. Outras, já possuem os grupos de "cantores" que, no encerrar das atividades, demonstram seu talento com canções populares. O acervo varia de Pixinguinha a Roberto Carlos. Não faltam, claro, as que são compostas por ilustres artistas desencarnados.
Consultando os postulados da Doutrina Espírita, nada encontramos que justifique este estranho hábito. Na verdade é mais um dos muitos costumes seculares dos homens, que foram inseridos nas casas, por obra e graça da ignorância. A heterogeneidade das práticas que se vê é, sem dúvida, grave sintoma da situação de atraso em que se encontra o Movimento Espírita, a despeito do que acham os modernos intelectuais, que enxergam nisso um "grande avanço espiritual do homem do terceiro milênio". Chega de engessar a Doutrina, dizem uns. É necessário inovar, dizem outros. E haja invenção.
Há que se considerar as razões pelas quais as casas espíritas tomaram este rumo. Se fizermos um retrospecto ao nascimento do Movimento Espírita, certamente teremos a resposta. Somos um povo de tradição católica o que facilitou sobremaneira a inserção de práticas da antiga crença em nosso meio, à semelhança do que fez o judaísmo na gênese do movimento cristão.
Quem conhece a história da implantação da Doutrina Espírita no Brasil sabe que houve divergências entre grupos científicos e místicos. Estes últimos, naturalmente ligados à Igreja Católica, foram os que ganharam força e forma sob os auspícios do "anjo Ismael" que, segundo dizem, é o guia espiritual do país. Estruturada para ser nada menos que a representante de Deus no planeta, a Federação Espírita Brasileira – FEB, fundamentou toda sua base na organização secular da igreja. Qualquer semelhança não é mera coincidência. Se, com isenção de ânimo e fanatismos, alguém examinar o livro "Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho", grande pilar do pensamento ismaelino, poderá ter idéia das razões pelas quais os centros espíritas assemelham-se a pequenas igrejas. E por acaso já se viu igreja sem cantos?
Avaliar esta prática é tarefa para agora. Entoar hinos e cantos em reuniões públicas de esclarecimento não faz sentido. O Centro Espírita ensina ao homem o caminho da iluminação interior, do autoconhecimento, para que ele se liberte de velhos conceitos, velhos hábitos, sufoque o homem velho e deixe despontar um novo ser, como diz o mestre Paulo de Tarso. Permanecer na prisão do homem velho é sutil armadilha da ignorância.
A Doutrina Espírita veio trazer novos conhecimentos acerca do Espírito, mas também veio nos falar de coisas velhas e esquecidas, como a simplicidade da mensagem de Jesus, com toda sua força e pureza. O Centro Espírita faz o papel de divulgador dessa mensagem e dentro desse espírito precisa tratá-la com seriedade.
As reuniões públicas são momentos graves onde procuramos nos instruir através da palavra que liberta consciências. É onde os Espíritos superiores buscam ocasião de ajudar as pessoas em seus problemas através dos fluidos que emanam do ambiente. Para eles os rituais nada dizem. Cantorias, hinários ou qualquer outra forma de manifestação exterior só valem para nós, Espíritos imperfeitos, que ainda nos apegamos a fórmulas como se pudéssemos ser ouvidos por muito falar. O Mestre nos ensina o contrário. O Espiritismo não necessita de remendos, embora possa ser ajustado em pontos onde contradisser a Ciência ou fosse autorizado pelo inexistente Controle Universal.
Exercitar a Doutrina Espírita de forma plena deve ser o objetivo dos espíritas. Isso só poderá ser feito quando se deixar de lado os velhos costumes e adotarmos outros mais saudáveis, como o do estudo por exemplo. Este sim, poderá nos alertar sobre os caminhos que trilhamos, pois nos ensina a reconhecer o joio em meio ao trigo. A prática dos cantos e hinos antes e depois das palestras nos aponta para duas justificativas. A primeira é essa da força do hábito, exacerbada pelo espírito de catolicismo, semeado no meio espírita pela doutrina de Ismael. A outra é mais séria e consequência da primeira: trata-se do desconhecimento da gravidade das tarefas abraçadas e do verdadeiro objetivo do Espiritismo.
Nas reuniões públicas bem conduzidas, os Espíritos amigos realizam as boas obras no campo do tratamento da obsessão, das doenças físicas e dos sofrimentos de toda ordem. É um momento em que os presentes refletem sobre os ensinamentos ministrados, sem falar na ajuda aos desencarnados que nelas são levados para serem esclarecidos. Portanto, carece de um clima especial de recolhimento e oração. Entender isso é essencial para o sucesso dos trabalhos. A música desperta a emoção, quando o momento pede o despertar da razão. Sejamos sinceros e deixemos as músicas de Roberto Carlos, de louvor a Allan Kardec, a Francisco de Assis ou à mãe de Jesus para outras ocasiões e lugares.

Vanda Simões

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