sexta-feira, 18 de novembro de 2011

A ERA DA CONFUSÃO

Há quase cento e cinquenta anos, quando Allan Kardec descortinou para o mundo a Doutrina dos Espíritos, maravilhado com a lógica e coerência dos ensinamentos, declarou que em algumas dezenas de anos a humanidade estaria iluminada pela verdade. O otimismo do Codificador baseava-se no fato de que o Espiritismo era uma doutrina de fácil compreensão e que trazia ao homem as explicações que buscava para todas as situações vividas por ele até então, e que nenhuma teoria filosófica havia oferecido.
Julgava o mestre lionês que essa doutrina iluminaria facilmente o ser humano, modificando rapidamente sua maneira de agir, influenciando sua conduta diante da vida. O resultado disso seriam leis mais justas, condições de vida mais dignas, governos mais democráticos, povos mais pacíficos, enfim, a humanidade viveria plenamente uma era de fraternidade e igualdade, conforme instrui as lições do Cristo. O tempo, infelizmente, mostrou que Kardec enganou-se em suas previsões. Não contava ele com a ganância e egoísmo dos homens, que mais tarde desenvolveriam um sistema selvagem de ganhos que dominaria com mão de ferro o planeta.
O que hoje se vê no panorama mundial longe está de ser descrito como a era do amor, como querem muitos espiritualistas e entusiastas espíritas mais exaltados. Diríamos mesmo que se trata da hora da "grande tribulação" de que adverte Jesus em Mateus 24. Basta passar os olhos nos noticiários nacionais e do exterior para se ter a nítida impressão de que o tecido social está se rompendo e que, para tristeza nossa, os mecanismos de repressão têm sido os únicos instrumentos utilizados pelas autoridades, tentando manter certa estabilidade no meio, sabe-se lá até quando.
As desordens instalam-se em todo o mundo e as agitações sociais são levantadas com facilidade espantosa, fugindo ao controle dos governos e à compreensão dos cientistas sociais. O que tem acontecido no Brasil, por exemplo, é extremamente preocupante. Bastam algumas palavras de ordem e o povo se transforma em massa de manobra para saquear mercearias, supermercados e invadir propriedades particulares. Atendendo a interesses os mais variados, nem sempre tão nobres, alguns líderes políticos atuam como fomentadores desse caos. Certamente sabe-se dos problemas sociais que causam esse tipo de comportamento, mas a inoperância e irresponsabilidade dos governos em sua ação junto ao povo não pode justificar tal insensatez. Pode-se analisar como causa de tudo o sistema injusto e excludente que se estabeleceu como política econômica na era FHC, mas este é um fenômeno mundial e que certamente trará consequências nada agradáveis para todos em tempos vindouros. Entreta nto, não pode ser visto como justificativa única para o caldeirão de insatisfação que se estabelece gradativamente no país.
Parece evidente que a estrutura da sociedade como um todo está se fragmentando rapidamente, sem que encontre qualquer base concreta para apoiar-se. A degeneração das relações de companheirismo entre os homens indica que ele esqueceu de uma coisa importante para sua formação básica: a lei natural. Ensinar-lhe essa lei seria o papel das religiões. Mas, por causa de seus próprios limites elas não o cumpriram. Antes, deixaram-se envolver pelo poder temporal. A humanidade construiu seus valores em cima de estruturas perecíveis que agora dão mostras de sua transitoriedade e ineficácia. O materialismo, célula máter dessa cascata de eventos, se desmantela com a insegurança do sistema financeiro se instalando em todo o mundo. O desemprego, gerado pela automatização e adensamento populacional, prolifera multiplicando os dramas individuais e coletivos. O homem, vendo seu castelo de cartas ruir, naturalmente se desespera, pois não vê saída para seus problemas.
O Espiritismo, segundo Allan Kardec, deveria ter feito seu papel de agente modificador desse panorama. Entretanto, tomou um rumo completamente diverso daquele para o qual se propôs. Transformou-se apenas em mais uma religião, ineficaz quanto à sua capacidade de mudar os rumos da sociedade. Sua faceta excessivamente assistencialista e estritamente espiritualista, não faz dele uma doutrina diferenciada. Religião por religião, as pessoas preferem ficar com a que já conhecem. Tivesse tomado o rumo certo dado pelo Codificador, poderíamos hoje ter uma visão mais otimista acerca do futuro do homem. Na forma como hoje se apresenta, decerto não exercerá nenhuma influência significativa nos destinos do mundo nos próximos séculos, nem poderá modificar a sociedade com a proposta de modificar o homem. O materialismo, organizado, com suas formas convencionais de religiões, desenvolve-se mais rápido e apodera-se das mentes que lhes são afins. O próprio Movimento Espír ita perdeu-se na heterogeneidade das idéias de homens e Espíritos que nunca se guiaram retamente pelos caminhos da Codificação. Ninguém sabe ao certo o que seguir. Na prática, tornou-se uma grande confusão doutrinária.
Parece não haver outra saída para a humanidade senão a dor. Os Espíritos sempre advertiram e advertem a respeito desse tempo de dificuldades pelo qual passaria o planeta. Haverá grande tribulação, como desde o princípio do mundo até agora não tem havido, disse Jesus. Os profetas estavam certos, o Mestre também. Ninguém poderá deter a transformação do planeta, pois ela obedece a Lei de Deus, molda-se conforme um plano preparado há milênios.
Lançando luz sobre todos os aspectos da vida, a Doutrina Espírita abre um leque fantástico de conhecimentos, infelizmente pouco vislumbrados até mesmo pelos que se dizem seguidores de Allan Kardec. Se até agora não se aproveitou a oportunidade, só resta aguardar as conseqüências do descaso. Aos espíritas sérios resta cuidar de pelo menos estabilizar a vida doutrinária da casa onde trabalham, pois a cada dia ficará mais difícil e complicado cumprir com os ideais abraçados em nome de Jesus. Oremos, vigiemos e trabalhemos, pois!

Autor: Vanda Simões
Texto publicado no site em 27/08/99

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