quinta-feira, 24 de novembro de 2011

A PÁTRIA DO DESCASO

O rosto ansioso da mulher aguarda a resposta sobre a possibilidade de vaga na UTI Neonatal, para a transferência de seu sobrinho recém-nascido que se encontrava em estado grave numa maternidade de periferia. A maternidade em questão simplesmente não tinha suporte para atender os bebês nessa condição. Seus dirigentes sabem que situações como essa acontecem todos os dias, mas permanecem em silêncio. O referido serviço é credenciado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), para atendimento de partos, mas isso nada significa. O governo é conivente com a irregularidade e fica por isso mesmo.
No caso acima o bebê foi transferido para a UTI, tendo recebido cuidados intensivos, mas em muitas situações semelhantes não há o que fazer por absoluta inexistência de leitos desocupados. Num país onde a saúde pública é caso de polícia, convive-se com a absurda situação de vagas hospitalares de menos, para doentes demais. No caso dos recém-nascidos essa condição é pior ainda, existindo o problema no país inteiro, porém, por excelência, no discriminado e miserável Nordeste.
A realidade é dura e não podemos fechar os olhos para ela. Nossas crianças pobres são tratadas sem respeito e quando se traça um paralelo entre as classes sociais, a impressão que se tem é que se está falando de dois países diferentes. Se não, vejamos: nas regiões carentes, onde é baixo o poder aquisitivo, e não existe saneamento básico (água encanada e esgoto sanitário), a poucos quilômetros dos centros urbanos, a mortalidade é superior a 100/1.000, ou seja, de cada 1.000 crianças que nascem, pelo menos 100 morrerão até o segundo ano de vida. A diarréia, responsável por mais de 50% destes óbitos, é causada principalmente por bactérias, que proliferam em abundância nos meios de higiene precária.
Por outro lado, nas regiões urbanas com água encanada e esgoto sanitário, região habitada por populações educadas e de alto poder aquisitivo, a mortalidade infantil é inferior a 20 por mil e a diarréia é responsável por menos de 1% dos óbitos, índices semelhantes aos países desenvolvidos. Sim, estamos nos referindo ao Brasil: duas situações reais em um mesmo país, em uma mesma cidade e muitas vezes, convivendo lado a lado em um mesmo bairro.
O Estado do Ceará foi aplaudido nos últimos anos por ter conseguido diminuir substancialmente sua taxa de morbi-mortalidade infantil com medidas simples, aplicando ações básicas de saúde junto à população socialmente desfavorecida. A ação direta dos agentes de saúde nas comunidades carentes, deu uma feição respeitosa e séria à saúde pública daquele Estado, passando a ser um modelo a ser seguido pelos países em desenvolvimento.
Entretanto, nem bem os pobres se deliciavam com os cuidados de higiene, vacinação e hidratação, eis que chega novamente o fantasma da seca que ronda a realidade da vida dessas sofridas criaturas. Hoje parece ter havido um retrocesso. A seca, com todas as consequências que traz, submeteu as famílias a situações de extrema penúria, aumentando vergonhosamente o índice de mortalidade infantil. Em algumas regiões do sertão cearense, a mortalidade subiu de 53,6 por 1.000 nascidos vivos no primeiro semestre de 1997, para 150 por 1.000 no mesmo período deste ano. Em outras regiões subiu de 36 óbitos por mil, para 77. Esta taxa é semelhante a da Nigéria. Para se ter uma idéia da gravidade da situação, a taxa do Japão é de 4 óbitos por mil nascidos vivos e a dos EUA, 7. O Maranhão possui 1 milhão de crianças em condições precárias de sobrevivência, que representam 75% das crianças maranhenses (Unicef/IBGE, 1994).
Pergunta-se: onde estão os que deveriam cuidar dessas coisas? Onde estão os que se responsabilizaram por isto diante dos homens e diante de Deus? Porque deixaram que a seca novamente se instalasse a ponto de devastar regiões inteiras? Porque a saúde pública é tratada dessa forma? Só existe uma explicação: a total falta de interesse pelo povo. E a falta de interesse tem uma razão de ser: num país com tamanhas diferenças sociais, somente os pobres são usuários dos serviços de saúde pública, pois os ricos (incluindo aqui naturalmente os que fazem as leis), esses têm seus planos de saúde nos hospitais privados, têm suas casas de veraneio com água à vontade, possuem suas terras, nem sempre produtivas, com seus modernos sistemas de irrigação etc.
Portanto, os índices de mortalidade que desfilam pelas mesas dos governantes não passam de dados de "morte anunciada", pois todos sabiam que isso aconteceria, como acontecerá no futuro, pois neste país os escândalos se sucedem e quando sai o próximo ninguém mais se lembra do anterior. Por acaso alguém sabe o que aconteceu com os responsáveis pelas falsificações de remédios?
Enquanto isso, as pobres crianças crescem (mas nem tanto) sem perspectiva de uma vida melhor, sem escolas, sem moradia, sem hospitais, sem dignidade. E os homens públicos dão risadas e fazem promessas, muitas promessas. Sabem que a seca, a fome e a miséria jamais os atingirá. Pelo menos é o que pensam. Na vida futura, eles verão com clareza a consequência do descaso frente às tarefas que lhes foram confiadas. Quanta falta faz ao homem a idéia da imortalidade da alma e das vidas sucessivas!
Diante dessa lastimável situação, não dá para acreditar na história de que o Brasil é o coração do mundo e Pátria do Evangelho. Nesta Pátria do descaso, vale lembrar as palavras do jornalista Arnaldo Jabor: "quando vamos parar de sonhar com fadas e acreditar em políticos?". É isso aí!
Texto publicado no site em 11/09/98
OBS: COMO SERÁ QUE ESTÁ A SITUAÇÃO HOJE? VAMOS PESQUISAR E COMPARAR. PÉNSE NISSO.

Vanda Simões

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