quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

MADEIRA PLÁSTICA
Madeira plástica tem que ser de lei

Calma. O planeta ainda não chegou ao ponto de lhe pedir para mobiliar a casa com madeira plástica. Mas está ficando difícil explicar por que ainda é preciso derrubar árvores para fazer banco de jardim, mesa de varanda, mourão de cerca, caibro de telhado, estaca de píer ou deque de piscina. Tudo isso já se faz sem ligar a motosserra, com ripas que vêm do lixo, em vez de serem arrancadas das florestas.

E às vezes que é feito com ela sai até melhor do que antes, como acontece com os dormentes. Nesse caso, posta sob as linhas ferroviárias, onde as toras clássica de eucalipto, encharcadas de creosoto, porejam ao longo de sua vida útil, um veneno capaz de contaminar o solo, a madeira plástica brilha como trilhos, indicando o caminho por onde certamente correrão as estradas de ferro do futuro.

É que, ao contrário da madeira natural, a plástica vem de fábrica imunizada contra fungos, cupins e outras pragas. Dura, deixada ao tempo, pelo menos 50 anos, sem tratamentos tóxicos. Resiste a cargas de até 80 toneladas, que reduziriam dormentes convencionais a maços de farpas. E amortece as vibrações que esmerilham rolamentos nas rodas dos trens, coisa que um bloco de concreto não faz.

Mas o melhor é que a madeira plástica é feita de frascos, garrafas, copos descartáveis, embalagens e outros fantasmas de poliolefina que poluem a xepa urbana. Sobretudo no Brasil, onde 76% dos resíduos são jogados a céu aberto e a nata de PET que bóia na Baía de Guanabara tem sido o indício mais persuasivo de que o programa de despoluição botou fora onze anos e US$ 800 milhões de dólares.

Ver a madeira plástica brotar como pasta de bisnaga – com forma, textura e até cor da madeira verdade – do caldo de entulho petroquímico digerido pela máquina parece mágica até para quem aposta pesado nesse novo trunfo da reciclagem. “Sempre que vejo ela saindo do molde eu me impressiono como da primeira vez”, diz Geraldo Pilz, que fabrica por semana três toneladas de madeira alternativa na Baixada Fluminense.

Ele é dono da Cogumelo, uma fábrica de perfis em fibra de vidro plantada em Campo Grande, a antiga Zona Rural do Rio de Janeiro. Pilz tem 65 anos. Sua fábrica, 31. Mas ambos ainda vivem correndo atrás de atrás de novidades. Ele é aquele tipo de empresário que conversa com a mão no ombro do funcionário, “para ele relaxar”. Formou-se em economia, mas vai logo avisando que não tem nem quis ter M.B.A., o diploma americano de mestrado em administração que se traduz em português por altos salários em administração de empresas. “Eu só tenho T.B.C.”, declara.

T.B.C. quer dizer: “Tire a Bunda da Cadeira”. É o mesmo diploma que ele cobrou do filho, para quem vai agora passando aos poucos as rédeas da empresa. Daniel Pilz nasceu no mesmo ano da Cogumelo, fez em desenho industrial. Foi campeão sul-americano de wind-surf e andou metido com pára-quedismo e vôo-livre. Estava quase se profissionalizando em esportes radicais quando o pai o chamou da Austrália para cursar o T.B.C. em Campo Grande.

Chamar a Cogumelo de empresa familiar é eufemismo. Além de Daniel, Áurea, a mulher de Geraldo, trabalha na administração da fábrica. Os três têm o hábito de chegar cedo e sair, comer de bandejão e encaixar visitas a clientes em viagens de recreio. O filho, nos fins de semana, veste a camiseta da firma e carrega sempre em cima do carro, um Land Rover, as escadas de alumínio e fibra de vidro que foram o penúltimo lançamento da fábrica, antes da madeira plástica.

É um modo de mostrar ao mundo que ela existe. Essas escadas desembarcaram no Brasil há poucos anos. Ao resolver produzi-las aqui, com licença da Werner Ladders americana, Pilz foi visitar pessoalmente velhos fabricantes de escadas de madeira no mercado nacional, para lhes falar das excelências do similar em liga leve. Queria, na época, oferecer-lhes a matéria-prima. “Mas eles me puseram para correr e não tive outro jeito senão fabricar eu mesmo as escadas”, conta Pilz. Dispensado como fornecedor, tornou-se concorrente da indústria tradicional e acabou por lhes tomar grandes clientes, como companhias de eletricidade, telefônicas e até bombeiros.

Aliás, “a vantagem de circular com essas escadas na capota é que as pessoas pensam que meu carro é da Telerj”, explica Daniel. Em teoria, assaltantes não se interessam por carros da Telerj. Na prática, a família inteira se comporta como propaganda ambulante da Cogumelo, que originalmente se especializava em produtos mais ou menos obscuros, como cabos, tubos, grades e outros produtos de uso industrial.

Oficialmente, ela se apresenta como uma fábrica de “pultrudados”. Mas não adianta procurar no dicionário. A palavra não existe. É um neologismo estritamente técnico, trazido diretamente do inglês para batizar o processo contínuo de modelagem da fibra de vidro em formas quentes. Trata-se, em resumo, de uma variante patenteada da extrusão. Nos primeiros tempos, dava um trabalho danado explicar aos leigos o que vinha a ser aquele “pultrudado” impresso no logotipo da firma, cada vez que Daniel parava o Land Rover em estacionamentos públicos.

Com tais antecedentes, vender madeira plástica num país que ainda não começou a comprá-la é o de menos para os Pilz. Não é a primeira vez que eles promovem soluções para problemas que não parecem incomodar os brasileiros. A própria Cogumelo só está aí porque, trinta e tantos anos atrás, Geraldo Pilz se rebelou contra o conteúdo das caixas de componentes importados que costumava abrir na Caterpillar da Bahia. Era então gerente de peças. E não entendia por que o Brasil deveria que trazer do exterior bugigangas que qualquer país é capaz de fazer, como “tijolo de ferro com um furo no meio” ou lâmpada G&E para trator Caterpillar.

De tanto dicsutir, mudou-se para a Sotreq, no Rio de Janeiro. Onde continuou recebendo os mesmos contêineres com as mesmas encomendas. “Não era isso que eu queria fazer na vida”, ele alega. Demitiu-se, pegou o fundo de garantia e, “com a cara, a coragem e a mulher grávida”, fundou em 1972 a Indústria de Componentes de Tratores Ltda. Era um oficina de fundo de quintal. Fazia tetos em fibra de vidro para trator porque, naquele tempo, “tratorista tinha que trabalhar num banco aberto, cozinhando ao sol”.

O produto emplacou. Emplacou tanto que, na virada dos anos 80, todos tratores nacionais passaram a sair da linha de montagem com tetos iguais ao seu, mas feitos pelas grandes marcas. A fabriqueta de Pilz foi à lona. Chegara a fazer 80 cabines por dia. Estava reduzida a meia dúzia. E, para piorar as coisas, o proprietário tinha brigado com os antigos clientes, processando-os por abuso de poder econômico. Foi quando caiu nas mãos de Pilz uma revista técnica, contando que nos Estados Unidos já se faziam perfis em fibra de vidro pela tal da pultrusão.

“Fui na mesma hora para lá, bater na porta de quatro empresas, com meu inglês de índio”, ele lembra. “Numa delas, a da Pensilvânia, o sujeito que me recebeu estava usando botas. Eu me senti no lugar certo. Fomos almoçar. Pedi-lhe para comprar a tecnologia, mas não as máquinas, porque isso o Brasil podia fazer para mim. Ele topou e quis saber quando eu mandaria para meu engenheiro para o treinamento. Respondi que o engenheiro tinha que ser eu mesmo”.

Pagou o know-how em oito parcelas. Ao fechar o contrato não tinha dinheiro para a primeira prestação. Mas, no Rio, os funcionários se reuniram com Áurea e lhe ofereceram um crédito no valor do décimo-terceiro salário que tinham a receber. Dos 30 empregados que entraram nessa coleta, 15 trabalham até hoje na casa. Os outros só saíram aposentados.
Com o fiasco das cabines de tratores, ele tinha aprendido “que no Brasil a gente tem que diversificar, para resistir. Senão, quando vem uma crise, e aqui sempre vem uma crise, o empresário demite os funcionários que não tinham nada a ver com isso. Quem tem obrigação de prever a crise é o patrão”. Hoje, a Cogumelo funciona com 150 funcionários.

Pilz chegou à madeira plástica de tanto procurar opções conta os achaques do mercado. “Na ocasião, nem me passou pela cabeça que ela também tinha vantagens ambientais. Depois é que a ecologia me entrou no sangue. Mas estava mesmo era querendo um jeito de depender menos das multinacionais que me fornecem a matéria-prima. Fibra de vidro custa muito caro para o Brasil. Eu geralmente acompanho seu preço, comparando-o com a cotação do quilo de filé-mignon”.

O remédio estava na reciclagem de lixo. Pilz pôs o olho nas fábricas americanas que, nos anos 90, tiraram proveito da legislação ambientalista. Depois que as construtoras tiraram as mãos das últimas reservas públicas de cedro e sequóia, até madeireiras tradicionais, como a Georgia-Pacific e a Weyerhaeuser, deram para oferecer aos consumidores deques pré-fabricados em madeira plástica.

Pilz comprou a tecnologia de Scott Hauser, ex-sócio minoritário da U.S. Plastic Plumber, pioneira do ramo. E fez o serviço completo. Trouxe-o ao Brasil para ver como funciona a coleta de lixo no aterro sanitário de Gramacho, com crianças disputando espaço com urubus. “Sou da opinião que eles têm que conhecer nossos problemas”, diz ele. Também lhe ofereceu, neste verão, um mês de férias no Rio de Janeiro por conta da empresa, aproveitando sua presença aqui para dar os últimos retoques em sua máquina.

A Cogumelo sozinha. Sua madeira plástica não tem concorrência, exceto a que é feita, por processos meio artesanais, numa fazenda devotada à recuperação de drogados no interior de São Paulo. O problema é que o país mal sabe que ela existe. A começar pelos marceneiros. Ela pode ser furada, serrada, aparafusada e pregada como a madeira comum. Dispensa verniz. Vem tingida de fábrica, para sempre. Custa mais ou menos o mesmo que o metro quadrado de pinho. Sai da fábrica em vários calibres. E seu comprimento, como não tem relação com altura de árvore, só tem um limite: a capacidade que tem o cliente de transportá-la.

Então está tudo resolvido? “Não”, responde Pilz. Porque falta, como sempre, a parte do governo. “E não estou pedindo favor nenhum”, ele ressalva. Só quer que a lei descubra a madeira plástica. Nos Estados Unidos, ela pegou graças aos dispositivos que inibem o desmatamento ou proíbem caminhões que transportam alimentos de usar prateleiras de compensado natural, sujeitas a rachadores que viram ninhos de fungos. Por por essas e outras, 25 fábricas americanas já fazem madeira plástica, produto que mal passou do décimo aniversário.

Aqui, a Cogumelo tem que montar bancos e mesas de jardim, para mostrar que a reciclagem funciona. Basta-lhe uma única máquina para suprir toda a demanda. Mas a Companhia Vale do Rio Doce encomendou, experimentalmente, os primeiros dois mil dormentes de madeira plástica. Dois mil dormentes dão um quilômetro de linha férrea. E consomem 160 toneladas de lixo plástico.

Quer saber o que isso significa? Multiplique a equação da CVRD pelos trilhos da rede ferroviária nacional. Ou por qualquer outra equação que troque por ela a madeira vegetal desperdiçada em portos, construção civil ou cercados. O resultado, conclui Geraldo Pilz, “é que a esta hora eu estaria cercado de concorrentes e pagando anúncios na televisão, pedindo para comprar a domicílio todo o lixo plástico que os cariocas quisessem me vender. Dava para buscá-lo de casa em casa. E ele sumiria de nossas cidades, como sumiu a lata de alumínio, desde que o Brasil resolveu reciclá-la”.
http://www.cogumelo.com.br/policog/imprensa.html
fonte: http://www.mundosustentavel.com.br/


Marcos Sá Correa

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