quinta-feira, 14 de junho de 2012



A CONVERSÃO DE KARDEC


Uma frase que ficou célebre no Movimento Espírita é a de Emmanuel, quando afirma que a maior caridade que se pode fazer com relação ao Espiritismo é divulgá-lo. Pois bem. Embora entendamos que o Espiritismo por si só não depende da "caridade" dos homens, já que tem vida própria e caminha com os seus seguidores e apesar deles, é óbvio que devemos pôr a Luz no velador, para que ilumine a todos. A grande questão é discernir qual a melhor maneira de o fazer. Os que se dispõem a propagá-lo devem agir com muita prudência.
Infelizmente não é o que se vê por aí. No afã de serem caridosos para com a doutrina, muitos irmãos descuidados deturpam o caráter sóbrio do Espiritismo, transformando-o em um produto que deve ser consumido pelos atordoados seres viventes neste planeta. Acham que é suficiente publicar um jornal com o rótulo Espírita para justificarem-se perante Deus. Assim, toda novidade ou coisa fantástica é logo posta em evidência, sem a menor cerimônia. Às vezes é preferível não divulgar nada a fazê-lo em prejuízo da causa. Triste exemplo disso é a associação do pensamento de Roustaing à Doutrina Espírita, feita pela divulgação e defesa de suas obras por parte da Federação Espírita Brasileira.
Vejamos como tem sido a promoção da divulgação do Espiritismo: temos centenas de jornais e algumas revistas circulando no Movimento. Será que prestam um serviço ou um desserviço à causa? Qual é, no geral, o estilo das publicações? A que tipo de público são dirigidas? São perguntas que devemos nos esforçar para responder, pois de suas respostas dependerá a nossa alegria ou a nossa tristeza em ver também periódicos ao alcance do público leigo. Sim, porque já podemos comprar livros, revistas e outros jornais nas grandes livrarias e bancas. Qualquer irmão se sentiria feliz em ver a amada doutrina ao alcance de todas as gentes. Mas que seja apresentada pura e bela como é, sem distorções.
É necessário que se leve o Espiritismo "in natura" ao povo, ou seja, de forma simples e responsável. Pode ser que a grande massa, tão afeita às frivolidades destes tempos, não venha a se interessar pelas conseqüências morais do Espiritismo, pois são poucos os que se dispõem a uma mudança de comportamento. Neste caso, podemos estar tranqüilos, pois o problema não estará na divulgação, mas nos homens. Já não ocorre o mesmo se a mensagem for transmitida de forma errada.
Por isso os responsáveis pela edição dos veículos espíritas de comunicação devem imbuir-se do espírito do próprio Codificador, evitando que se leve à publicação matérias insossas, piegas, fantasiosas e irracionais. Insossas porque muito do que se escreve nada acrescenta, nada esclarece e nada edifica. É o sal insípido. Piegas porque, como se refere o dicionário do Aurélio, "é ridiculamente sentimental", apelando para a emotividade ingênua de almas frágeis. Fantasiosas porque aparece cada coisa escrita ou falada que nem os cineastas americanos conceberiam. Finalmente, irracional porque os adeptos da fé raciocinada, infelizmente, ainda são poucos, sendo óbvio que ninguém pode dar o que não tem.
Voltemos, agora, às questões levantadas linhas atrás. Que tipo de público se pretende atingir? Bom, se for um público desesperado, angustiado, deve-se abordar com ênfase o aspecto religioso do Espiritismo, com todas as esperanças e consolações que Jesus e a Doutrina oferecem. Se a idéia é atingir aos cépticos, deve-se aprofundar nas argumentações e fundamentações lógicas acerca das questões filosóficas. Agora se o desejo é arrebanhar ovelhas de outro aprisco, melhor é que se pense um pouco mais, pois Kardec afirmou que o Espiritismo não é dirigido àqueles que têm uma fé religiosa e a quem esta fé satisfaz, mas sim aos que não crêem em nada ou que duvidam. Somente este entendimento seria suficiente para se evitar muitos inconvenientes.
Agora, falando de divulgação, devemos ter a consciência de que, independentemente das publicações, cada um de nós pode ser um bom ou um mau divulgador do Espiritismo. Se agirmos conforme pregamos, ou seja, se no dia-a-dia nos posicionarmos coerentes com a sã doutrina do Cristo, respeitando as convicções alheias, tolerando indivíduos difíceis, fazendo o que o samaritano fez, estaremos sendo bons divulgadores não somente do Espiritismo, mas do Bem. Ao contrário, se agirmos perante o mundo como agem as pessoas comuns, com avidez pelas riquezas materiais, tomando uns goles de vez em quando (ou sempre), sendo complacentes com a mentira e insensíveis para com a dor alheia, estaremos sendo péssimos divulgadores. A estes, lembrando Jesus, melhor seria que atassem uma pedra ao pescoço e se atirassem ao mar.
Nesse contexto, notamos que os espíritas, de um modo geral, não se distinguem do homem comum no cotidiano. Não nos é possível reconhecer um espírita por suas obras. Nem tampouco reconhecer um verdadeiro cristão em muitos dos que aparentam ser grandes divulgadores da Boa Nova.
Por outro lado, quando nos dispusermos a falar do Espiritismo aos não espíritas, que sejamos mais sóbrios, menos entusiastas e menos preocupados em impor nossas idéias (que não são nossas). A reforçar este pensamento, vale lembrar que Allan Kardec, antes de se envolver com os fenômenos espíritas, nos idos de 1.855, foi alvo de dois tipos de propaganda. A primeira, feita pelo seu amigo Sr. Carlotti, que, "com o entusiasmo que despertavam as idéias novas", falou-lhe dos fenômenos. Diz Kardec: "O Sr. Carlotti era corso, de natureza ardente e enérgica, e eu sempre estimei nele as qualidades que distinguem uma grande e bela alma, mas desconfiava da sua exaltação. Foi ele quem primeiro me falou da comunicação dos Espíritos, contando-me tantas coisas surpreendentes, que, longe de me convencerem, aumentaram as minhas dúvidas". Tempos depois Kardec encontra outro adepto que lhe diz as mesmas coisas que o Sr. Carlotti, mas em outro tom. Ouçamos Kardec: "O Sr. Pâtier era empregado público, homem de meia idade, muito instruído, de caráter grave, frio e calmo. A sua linguagem comovida, isenta de entusiasmo, produziu-me viva impressão, e, quando me convidou para assistir às experiências que se realizavam em casa da Sra. Plainemaison, aceitei o convite com sumo prazer".
Ao lermos estas anotações pessoais do Codificador, em Obras Póstumas, ficamos pensando na hipótese de ele voltar novamente à carne. Imaginem os irmãos leitores se ele, a convite de um amigo, fosse assistir a uma dessas grandes palestras de divulgação do Espiritismo. O que veria ele? Oradores inflamados, com voz retumbante e vernáculo incompreensível, que não falam nem à razão nem ao coração. Chegaria a ser irônico, mas, os espíritas modernos, com esta maneira de divulgar a Terceira Revelação, não conseguiriam a conversão do próprio Allan Kardec.

Elói Monteiro

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