quinta-feira, 21 de junho de 2012


NAVEGANDO SOBRE O MAR MORTO

Se analisarmos sem prevenções o Movimento Espírita não será difícil compreendermos a razão pela qual ele se afastou da linha de conduta vivenciada e traçada por Allan Kardec. Ao observarmos a diversidade de atitudes e comportamentos dos seguidores do Espiritismo, vemos que não há coesão e nem um direcionamento delineado, sendo muitas as confusões e desvirtuamentos. Os adeptos não se entendem. Seria muito normal, e até certo ponto aceitável, se a discordância estivesse restrita a assuntos e temas circunstantes. Mas, infelizmente, a má semeadura atinge as bases da Doutrina, como, por exemplo, a propagação da idéia de que o Espiritismo não é o Consolador Prometido, retirando-lhe o aspecto religioso. Some-se a isto o grave problema de vermos a Federação Espírita Brasileira, órgão de liderança, divulgar e defender as obras de J. B. Roustaing como sendo parte do corpo doutrinário. São fantasias e devaneios de toda ordem.
Talvez o fundo de tudo isto seja a falta da cultura racional, se assim se pode chamar. Não se tem o costume de passar as informações e as atitudes das pessoas (e Espíritos) pelo controle do raciocínio e do bom senso. A grande maioria dos Espíritas sequer se dispõe a estudar as Obras Básicas. Muitos nunca estudaram de forma criteriosa. O que sabem é produto das informações (ou desinformações) colhidas em palestras, romances, ou transmitidas pelo guia da casa. E não se pode atribuir isto à falta de cultura acadêmica, pois mesmo seguidores com diploma universitário se comportam como fanáticos seguidores de certos Espíritos, oradores ou médiuns, de forma que tudo o que estes fazem se torna padrão de comportamento, e o que dizem se torna lei.
Estes cegos discípulos acabam por anular suas personalidades e, por conseguinte, todo o potencial de desenvolverem o senso moral, pois vivem sempre sob a dependência das orientações e "ensinamentos" dos seus mestres, que também estão cegos pela vaidade, pois que adoram esta condição e nada fazem para libertar os seus fiéis admiradores. E é sempre aquele diálogo: "Segundo nos ensina o Espírito fulano de tal, na obra tal...", ou, "Conforme orientação do conceituado médium/orador fulano..." e por aí adiante. Os espíritas tornaram-se, assim, repetidores de chavões, nada mais. Não há a preocupação de andar pelas próprias pernas, já que muletas não faltam. E desta forma o Codificador foi sendo negligenciado e até esquecido.
Por conta disso, o movimento foi implementado pelos ensinamentos de mestres, sejam Espíritos ou homens, cada qual com sua doutrina e com suas idéias pessoais. E isto só foi e é possível porque trabalhadores e freqüentadores de centros espíritas não têm o saudável costume de avaliar e pesar o que está sendo divulgado e praticado por homens e Espíritos. Talvez isto seja até muito cômodo, pois o esclarecimento traz novas e maiores responsabilidades. E quem é que quer mais responsabilidades? É mais fácil cumprir apenas com sua obrigação perante o centro, seja no passe, na recepção ou mesmo freqüentando-o por desencargo de consciência. Já o raciocínio crítico e a tomada de posição ante as questões graves da doutrina demandam coragem e determinação. Acrescente-se ainda que trazem por inevitável conseqüência a inimizade e revolta dos muitos donos do sistema. Os que pensam e ousam questionar são logo taxados de obsediados, de serem portadores do espírito de divisão e outras coisas assim, muito comuns aos regimes autoritários.
E o que se pode fazer para modificar este panorama desanimador? Deve-se primar pelo estudo kardequiano. Mas estudar Kardec não significa ler e decorar todas as suas obras, como os evangélicos o fazem com a Bíblia. Necessário é ir muito além, apreendendo o sentido e o alcance do pensamento do filósofo lionês. De que vale conhecer a letra se não se detém o espírito? De que adianta o estudo e o conhecimento formal das obras espíritas se as atitudes são incoerentes com a pregação?
De que aproveitam as belas palavras de humildade, saídas das bocas dos mestres do mundo, se eles ainda continuam preferindo os primeiros lugares? De que aproveitam as recomendações à prática da caridade se os próprios divulgadores não dispõem de tempo para os sofredores, já que são tantos os seus compromissos? De que serve repetir que se deve passar tudo o que os Espíritos dizem pelo crivo da razão, se os maiores absurdos são absorvidos e divulgados como verdade? De que adianta a "Casa-Máter" entoar o hino da unificação se ela própria não é democrática em suas decisões e nem na composição de sua diretoria, que é vitalícia, tal qual o papado?
E a despeito de tudo isto, o Espiritismo cresceu e cresce muito no Brasil. Entretanto é necessário que se mude o padrão de comportamento dos seus divulgadores e seguidores. Se assim não o for, estar-se-á correndo o sério risco de ver a Doutrina Espírita transformada em apenas mais um culto religioso, dentro dos padrões normais da sociedade, ficando, assim, muito distante de sua verdadeira finalidade, que é promover a regeneração dos Espíritos. Deve-se voltar à origem, proceder ao despertar das consciências, libertando-as das décadas de aprisionamento ao sistema atual. É imperioso fomentar as discussões sadias e edificantes, buscando soluções conjuntas e democráticas para os diversos problemas que há. Foi assim que, através da Revista Espírita, Allan Kardec constituiu e estruturou a Doutrina. Esta a sublime função da imprensa espírita, e a que menos se presta.
Os periódicos preenchem suas páginas com mensagens mediúnicas repetitivas, com "notícias sociais do movimento" e muitos artigos que pouco acrescentam. Raros são os órgãos espíritas que se propõem a levantar os problemas e apontar soluções. A grande maioria prefere vender a imagem de um mundo de ilusões e maravilhas "que só o Espiritismo pode dar", levando seus leitores à alienação. Poucos também são os homens públicos do Espiritismo que têm o ânimo e a coerência de se colocarem em defesa do restabelecimento da verdade e do espírito crítico no meio espírita. Isto parece óbvio, já que quanto mais esclarecimento, menos idolatria. E como o espírito do mundo é muito forte, é preferível manter-se conivente (e assim querido por todos) do que desagradar a grande turba.
E, nos valendo da expressão do espírito Michel, no E.S.E., com esta aparente tranqüilidade, conseguida através de indiferença culposa face aos graves problemas, os espíritas vamos navegando sobre o mar morto, que oculta em suas profundezas a lama fétida e a corrupção (E.S.E., cap. XIII, item 17).

Texto publicado no site em 16/07/99. Leia, pense e reflita se você concorda ou não.

Elói Monteiro

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