quinta-feira, 14 de junho de 2012


A LINGUAGEM DOS ESPÍRITOS
Revista Espírita, setembro de 1859


A linguagem dos Espíritos sérios e bons traz um cunho que torna impossível nos enganarmos, por menos que tenhamos de tato, raciocínio e de hábito de observação. Por mais que disfarcem as suas torpezas com o véu da hipocrisia, os maus Espíritos jamais podem representar indefinidamente o seu papel. Mostram sempre a ponta da orelha. Do contrário, se sua linguagem fosse imaculada, seriam bons Espíritos. A linguagem dos Espíritos nos dá, pois, o verdadeiro critério pelo qual podemos julgá-los. Sendo a linguagem a expressão do pensamento, tem sempre um reflexo das boas ou más qualidades do indivíduo. Não é também pela linguagem que julgamos as pessoas que não conhecemos? Se recebermos vinte cartas de vinte pessoas que jamais vimos, não ficaríamos diversamente impressionados por sua leitura? Não será pelas qualidades do estilo, pela escolha das expressões, pela natureza dos pensamentos e, até, por certos detalhes de forma, que reconheceremos naquele que nos escreve o homem rústico ou bem educado, o sábio ou o ignorante, o orgulhoso ou o modesto? Dá-se absolutamente o mesmo com os Espíritos.

Suponhamos que sejam homens que nos escrevem, e julguemo-los da mesma maneira. Julguemo-los severamente, pois os bons Espíritos de modo algum se sentirão ofendidos com esta escrupulosa investigação, porque são eles próprios que a recomendam como   meio de controle. Sabemos que podemos ser enganados. Portanto, nosso primeiro sentimento deve ser o de desconfiança. Os maus Espíritos, que nos procuram induzir em erro podem temer o exame porque, longe de provocá-los, querem ser acreditados sob palavra.
Deste princípio decorre muito natural e logicamente o meio mais eficaz de afastar os maus Espíritos e de nos premunirmos contra as suas maldades. O homem que não é ouvido deixa de falar. Aquele que vê constantemente descobertas as suas astúcias vai praticá-las alhures. O ladrão ciente de que permanecemos em estado de alerta não faz tentativas inúteis. Assim os Espíritos enganadores deixam a partida quando sabem que nada podem fazer, ou quando encontram pessoas vigilantes que repelem tudo quanto lhes parece suspeito.
Para terminar, resta passar em revista os principais caracteres que denotam a origem das comunicações espíritas.

1.- Como já dissemos em várias ocasiões, os Espíritos superiores têm uma linguagem sempre digna, nobre, elevada, sem qualquer mistura de trivialidade. Dizem tudo com simplicidade e modéstia, jamais se gabam, não exibem saber nem posição entre os outros. A dos Espíritos inferiores ou vulgares tem sempre algum reflexo das paixões humanas. Toda expressão que demonstra baixeza, suficiência, arrogância, fanfarronada ou acrimônia é indício característico de inferioridade e de embuste, desde que o Espírito se apresente com um nome respeitável e venerado.
2.- Os bons Espíritos só dizem o que sabem. Calam-se ou confessam sua ignorância relativamente ao que não sabem. Os maus falam de tudo com segurança, sem se importarem com a verdade. Toda heresia científica notória, todo princípio que choca a razão e o bom senso revela fraude, desde que o Espírito se apresente como um esclarecido.
3.- A linguagem dos Espíritos elevados é sempre idêntica, senão na forma, pelo menos no conteúdo. Os pensamentos são os mesmos, em qualquer tempo e lugar. Podem ser mais ou menos desenvolvidos, conforme as circunstâncias, as necessidades e as facilidades de comunicação, mas não serão contraditórios. Se duas comunicações com a mesma assinatura se encontrarem em oposição, uma delas será evidentemente apócrifa, e a verdadeira será aquela onde coisa alguma desminta o caráter conhecido do personagem. Quando uma comunicação apresenta caráter de sublimidade e de elevação, sem nenhuma falha, emana de um Espírito elevado, seja qual for o seu nome. Se contiver uma mistura de bom e de mau será de um Espírito comum. Se ele se apresentar como é, será de um Espírito impostor, se ele se apresentar com um nome que não pode justificar.
4.- Os bons Espíritos jamais ordenam, não impõem. Aconselham e, se não forem ouvidos, retiram-se. Os maus são imperiosos. Dão ordens e querem ser obedecidos. Todo Espírito que impõe trai a sua origem.
5.- Os bons Espíritos não adulam. Aprovam quando se faz o bem, mas sempre com reservas. Os maus fazem elogios exagerados, estimulam o orgulho e a vaidade, mesmo pregando a humildade, e procuram exaltar a importância pessoal daqueles a quem querem apanhar.
6.- Os Espíritos superiores se sobrepõem às puerilidades formais em todas as coisas. Para eles, o pensamento é tudo, a forma nada vale. Só os Espíritos vulgares podem ligar importância a certos detalhes incompatíveis com as idéias realmente elevadas. Toda prescrição meticulosa é sinal certo de inferioridade e de embuste da parte do Espírito que toma um nome importante.
7. – É preciso desconfiar dos nomes bizarros e ridículos que tomam certos Espíritos, desejosos de impor-se à credulidade. Seria supremo absurdo levar a sério esses nomes.
8.- Deve-se igualmente desconfiar daqueles que se apresentam com muita facilidade com nomes extremamente venerados, e não aceitar suas palavras senão com as maiores reservas. Nesses casos, principalmente, é indispensável um severo controle, porque em geral é uma máscara que adotam para nos fazer crer em supostas relações íntimas com Espíritos de grande elevação. Por este meio lisonjeiam a vaidade, que exploram, a fim de induzir com freqüência a atitudes lamentáveis ou ridículas.
9.- Os bons Espíritos são muito escrupulosos no tocante às providências que podem aconselhar. Em todos os casos estas tem sempre um objetivo sério e eminentemente útil. Devemos, pois, considerar como suspeitas todas aquelas que não tiverem esse caráter, e refletir maduramente antes de as adotar.
10.- Os bons Espíritos só prescrevem o bem. Toda máxima, todo conselho que não estiver estritamente conforme a pura caridade evangélica não pode ser obra de bons Espíritos. O mesmo acontece com toda insinuação malévola, tendente a excitar ou alimentar sentimentos de ódio, de ciúme e de egoísmo.
11.- Os bons Espíritos só aconselham coisas perfeitamente razoáveis. Toda recomendação que se afaste da linha reta do bom senso ou das leis imutáveis da Natureza denota um Espírito limitado e ainda sob a influência dos preconceitos terrenos. Consequentemente, pouco digno de confiança.
12.- Os Espíritos maus ou simplesmente imperfeitos ainda se traem por sinais materiais, com os quais não nos poderíamos enganar. Sua ação sobre o médium é por vezes violenta, e provoca na sua escrita movimentos bruscos e sacudidos, uma agitação febril e convulsiva, que contrasta com a calma e a suavidade dos bons Espíritos.
13.- Outro sinal de sua presença é a obsessão. Os bons Espíritos jamais obsediam. Os maus se impõem em todos os momentos. É por isso que todo médium deve desconfiar da irresistível necessidade de escrever que dele se apodera nos mais inoportunos momentos. Jamais se trata de um bom Espírito, e ele não deve jamais ceder.
14.- Entre os Espíritos imperfeitos, que se imiscuem nas comunicações há os que, por assim dizer, se insinuam furtivamente, como para fazer uma brincadeira, mas que se retiram tão facilmente como vieram, e isto na primeira intimação. Outros, ao contrário, são tenazes, agarram-se ao indivíduo e só cedem contra a vontade e com persistência. Apoderam-se dele, subjugam-no e o fascinam a ponto de induzi-lo a aceitar os mais grosseiros absurdos, como se fossem coisas admiráveis. Feliz dele quando criaturas de sangue frio conseguem abrir-lhe os olhos, o que nem sempre é fácil, porque esses Espíritos têm a arte de inspirar a desconfiança e o afastamento de quem quer que os possa desmascarar. Daí se segue que devemos ter por suspeito de inferioridade e de más intenções todo Espírito que prescreve o afastamento das pessoas que podem dar bons conselhos. O amor próprio vem em seu auxílio, porque nos é difícil confessar que fomos vítimas de uma mistificação e reconhecer um velhaco naquele sob cujo patrocínio sentíamos a honra de nos colocarmos. Essa ação do Espírito é independente da faculdade de escrever. Em falta da escrita, o Espírito malévolo tem mil e um modos de agir e enganar. Para ele a escrita é um meio de persuasão, mas não é uma causa. Para o médium, é um meio de esclarecer-se.
Passando todas as comunicações espíritas pelo controle das considerações precedentes, reconheceremos facilmente a sua origem e poderemos destruir a malícia dos Espíritos enganadores, que só se dirigem àqueles que se deixam enganar comodamente. Se nos vissem ajoelhar ante as suas palavras, disso tirariam partido como o fazem os simples mortais. A nós, pois, cabe provar-lhes que perdem o tempo. Acrescentemos que para isso a prece é poderoso auxílio. Por ela atraímos a assistência de Deus e dos bons Espíritos, aumentando nossa própria força. É conhecido o preceito: Ajuda-te e o céu te ajudará. Deus quer assistir-nos, mas com a condição de que, por nosso lado, façamos aquilo que é necessário.
A esse preceito juntamos um exemplo. Um dia veio ver-me um senhor que eu não conhecia, e me disse que era médium. Recebia comunicações de um Espírito muito elevado, que o tinha encarregado de vir a mim, fazer uma revelação relativa a uma trama que, na sua opinião, era urdida contra mim, por parte de inimigos secretos que designou. E acrescentou: "Quer que escreva em sua presença?" Com prazer, respondi eu. Mas, para começar, devo dizer-lhe que esses inimigos são menos temerosos do que o senhor supõe. Sei que os tenho. Quem não os tem? E os mais encarniçados em geral são aqueles a quem mais beneficiamos. Tenho consciência de jamais ter feito voluntariamente mal a alguém. Aqueles que me fizerem mal não poderão dizer o mesmo, e entre nós, Deus será juiz. Contudo, vejamos o conselho que o Espírito quer dar-me. Então aquele senhor escreveu o seguinte:
"Ordenei a C... (nome daquele senhor), que é facho de luz dos bons Espíritos, dos quais recebeu a missão de a espalhar entre os seus irmãos, que fosse à casa do sr. Allan Kardec, o qual deverá crer cegamente no que eu lhe disser, porque estou entre os eleitos prepostos por Deus para velar pela salvação dos homens, e porque lhe venho anunciar a verdade...."
É bastante, disse-lhe eu, não vale a pena continuar. Este exórdio é suficiente para mostrar o tipo do Espírito com quem o senhor está tratando. Direi apenas uma palavra: para um Espírito que quer ser astucioso, ele está muito desajeitado.
Esse senhor pareceu bastante escandalizado do pouco caso que eu fazia do seu Espírito, que tivera a ingenuidade de tomar por algum arcanjo ou, pelo menos, por algum santo de primeira classe, vindo especialmente para ele. Disse-lhe eu: "Esse Espírito mostra a ponta das orelhas nas poucas palavras que acaba de escrever. Convenhamos que sabe muito mal esconder o seu jogo. Para começar, ordena. Portanto, quer ter o senhor na sua dependência, o que é característico dos Espíritos obsessores. Chama-o facho de luz dos bons Espíritos, linguagem sofrivelmente enfática e ambígua, muito distanciada da simplicidade que caracteriza a dos bons Espíritos. Por ela lisonjeia o seu orgulho, exalta a sua importância, o que basta para torná-lo suspeito. Ele se coloca sem nenhuma cerimônia entre os eleitos prepostos de Deus. Isto é jactância indigna de um Espírito realmente superior. Por fim me disse que devo crer cegamente. Isto coroa a obra. Eis aí o estilo desses Espíritos mentirosos, que querem que neles acreditemos sob palavra, pois sabem que num exame sério tudo têm a perder. Com um pouco mais de perspicácia poderia ter visto que não me vergo às belas palavras e que agia muito mal prescrevendo-me uma confiança cega. Daí concluo que o senhor é joguete de um Espírito que o mistifica e abusa da sua boa-fé. Aconselho-o a prestar muita atenção a isto, porque, se o senhor não se guardar, poderá ser vítima de uma ação prejudicial".
Não sei se o cavalheiro aproveitou o aviso, porque não o vi mais, nem ao seu Espírito. Eu não terminaria nunca se fosse contar todas as comunicações desse gênero que me têm sido submetidas, por vezes muito seriamente, como emanando dos maiores santos, da Virgem Maria e do próprio Cristo. E seria realmente curioso ver as torpezas levadas à conta desses nomes venerados. É preciso ser cego para enganar-se quanto à sua origem, quando, muitas vezes, uma única palavra equívoca, um único pensamento contraditório bastam para fazer descobrir a mentira a quem se dá o trabalho de refletir.

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