sexta-feira, 3 de agosto de 2012


Entrevista: André Trigueiro

*(concedida à RIE – Revista Internacional de Espiritismo, em maio de 2006)

Espiritismo e Ecologia

O jornalista e escritor André Trigueiro, espírita, alerta para os perigos da degradação ambiental e analisa a questão ecológica à luz da Doutrina Espírita.

André Trigueiro é jornalista, pós-graduado em Gestão Ambiental, professor e criador do curso de Jornalismo Ambiental da PUC/RJ, Coordenador Editorial e um dos autores do livro Meio ambiente no século XXI (Editora Sextante, 2003). Desde 1996 atua como repórter e apresentador do “Jornal das Dez” da Globonews, canal de TV a cabo, onde também produziu, roteirizou e apresentou programas especiais ligados à temática sócio-ambiental. Pela série "Água: o desafio do século 21" (2003) recebeu o Prêmio Imprensa Embratel de Televisão e o Prêmio Ethos - Responsabilidade Social, na categoria Televisão. É comentarista da Rádio CBN (860 Kwz) onde apresenta aos sábados e domingos o quadro "Mundo Sustentável". É consultor e articulista do site www.ecopop.com.br e consultor do WWF. Presidiu o Júri da VI Edição do Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental de Goiás. Sobre ecologia e outros temas André concedeu à RIE a seguinte entrevista:

RIE — Quais são as principais advertências e instruções dos Espíritos Superiores sobre a questão ambiental?

André Trigueiro — É importante registrar que o trabalho de Codificação realizado por Allan Kardec ocorreu no mesmo período em que a Revolução Industrial determinava mudanças importantes na civilização ocidental do século XIX. O aparecimento das fábricas com o uso progressivo de máquinas e equipamentos movidos a carvão; novos focos de poluição ambiental; migrações em massa do campo para a cidade; a demanda crescente de matéria-prima e energia; o aparecimento da sociedade de consumo e a produção monumental de lixo.  O cenário ainda não era de crise ambiental, mas os efeitos colaterais desse modelo de desenvolvimento insustentável apareceriam com força na segunda metade do século XX, após a Segunda Grande Guerra.  A literatura espírita traz muitas informações importantes sobre a  questão ambiental. Para citar apenas alguns exemplos, começamos pela pergunta 121 do livro “O Consolador”, psicografado por Chico Xavier, que vai direto ao ponto: “O meio ambiente influi no Espírito?”, ao que Emmanuel responde: “O Meio Ambiente em que a alma renasceu, muitas vezes constituiu prova expiatória; com poderosas influências sobre a personalidade, faz-se indispensável que o coração esclarecido coopere na sua transformação para o bem, melhorando e elevando as condições materiais e morais de todos os que vivem na sua zona de influência”. Joanna de Ângelis, no livro “Após a Tempestade”, psicografado por Divaldo Franco no ano de 1972 ( quando a ONU organizava em Estocolmo, na Suécia, a primeira Conferência Internacional sobre Meio Ambiente Humano) observa no capítulo intitulado “Poluição e Psicosfera” que “ Ecólogos do mundo inteiro preocupam-se com a poluição devastadora que resulta de detritos superlativos atirados nos oceanos, rios, lagos e terras “inúteis” (...). O programa para o saneamento de tão perigoso estado de coisas já foi apresentado por Jesus, O Sublime Ecólogo, que em a Natureza, preservando-a, abençoando-a, dela se utilizou, apresentando os métodos e as técnicas da felicidade (...) estabelecendo as bases para o reino de amor e harmonia, sem fim, sem dores, sem apreensões.  No livro “Atualidade do Pensamento Espírita”, também psicografado por Divaldo Franco, Vianna de Carvalho reserva as questões 54 a 63 ao assunto “Ecologia”. Quando Kardec afirmou que “o verdadeiro Espiritismo é aquele que encara a razão frente a frente em todas as fases da humanidade”, selou o compromisso da doutrina espírita de manter-se constantemente em sintonia com as novas descobertas da ciência. E é justamente da comunidade científica que emerge o alerta que estaríamos experimentando hoje uma crise ambiental sem precedentes na História. O Espiritismo tem como contribuir em favor de um mundo onde o desenvolvimento não seja sinônimo de destruição.                            

RIE — A resposta à questão 705 de "O Livro dos Espíritos" diz que "A Terra produziria sempre o necessário, se com o necessário soubesse o homem contentar-se." O que é o consumismo, se vivemos numa sociedade de consumo?

André Trigueiro — É importante diferenciar “consumo” de “consumismo”. O consumo é fundamental à vida. O “consumismo” degrada a vida. Quem se deixa levar pelos apelos da publicidade na direção do consumo compulsivo, irracional e irresponsável acelera a exaustão dos recursos naturais não renováveis fundamentais à vida. É bom lembrar que todos os produtos demandam matéria-prima e energia para existir. O planeta é um só, e se todos os seus habitantes consumissem como um norte-americano ou um europeu seriam necessários mais quatro planetas Terra. Alguns estudos revelam que a capacidade de o planeta suprir as nossas atuais demandas de matéria-prima e energia já estaria defasada em 20%. Mahatma Gandhi disse certa vez que “a Terra pode oferecer o suficiente para satisfazer as necessidades de todos os homens, mas não a ganância de todos os homens”. Não vejo nenhuma diferença entre o que disse Gandhi e a resposta dada pelos Espíritos à pergunta 705 do L.E. Rever os atuais padrões de consumo da humanidade — especialmente da parcela mais abastada concentrada no hemisfério norte e nas ilhas de prosperidade do resto do mundo, como as classes mais favorecidas das grandes cidades brasileiras — se impõe, como condição de sobrevivência.        

RIE Alertam os Espíritos que o Espiritismo contribui para o progresso destruindo uma das chagas da sociedade, que é o materialismo (questão 799 de O Livro dos Espíritos). O que isso tem a ver com o problema ambiental?

André Trigueiro — O consumismo poderia ser entendido como uma das manifestações mais graves e preocupantes do materialismo. O apego à matéria se revela no desejo insaciável de consumo de bens e de serviços, no deleite das liquidações, na fascinação pelas vitrines, na rotineira preocupação em promover festas de Natal repletas de presentes caros e guloseimas sem que o aniversariante seja efetivamente lembrado, no entendimento de que ser feliz é ter dinheiro para comprar tudo o que se quer. Sendo o consumismo um câncer que destrói rápida e vorazmente os recursos naturais não renováveis fundamentais à vida, fecha-se o ciclo do modelo suicida de desenvolvimento. Vejamos o exemplo da água: para cada tonelada de aço são necessários 15 mil litros de água. Para cada automóvel mil cilindradas, aproximadamente 5 mil litros de água. Para cada quilo de arroz, 1.500 litros de água. Se o que consumimos é necessário, justifica-se o uso. Se é para colecionar ostentar ou para reforçar a imagem de pessoa “bem-sucedida e feliz”, agrava-se o desperdício.      

RIE — Do ponto de vista espírita, é possível conciliar o progresso tecnológico com a degradação ambiental?

André Trigueiro — Avanço tecnológico não deve ser sinônimo de destruição. A boa tecnologia deve ser aquela que está a serviço da vida, não da morte.   

 RIE — Com a transformação da Terra em um planeta de regeneração, automaticamente o meio ambiente estará equilibrado?

André Trigueiro — Não. É importante combater a passividade com que muitos espíritas esperam essa transformação. No capítulo III do Evangelho Segundo o Espiritismo, Santo Agostinho explica a transição de um mundo de provas e expiações para um mundo de regeneração nos seguintes termos: neste novo “mundo”, mesmo livre das paixões desordenadas, num clima de calma e repouso, a humanidade ainda estará sujeita “às vicissitudes de que não estão isentos senão os seres completamente desmaterializados; há ainda provas a suportar (...) e que “nesses mundos, o homem ainda é falível, e o Espírito do mal não perdeu, ali, completamente o seu império. Não avançar é recuar, e se não está firme no caminho do bem, pode voltar a cair nos mundos de expiação, onde o esperam novas e terríveis provas”. Ou seja, não há mágica no processo evolutivo: nós já somos os construtores do mundo de regeneração, e, se não corrigirmos o rumo na direção do desenvolvimento sustentável, prorrogaremos situações de desconforto já amplamente diagnosticadas. Não é possível, portanto, esperar a chegada do mundo de regeneração de braços cruzados. Até porque, sem os devidos méritos evolutivos, boa parte de nós deverá retornar a esse mundo pelas portas da reencarnação. Se ainda quisermos encontrar aqui estoques razoáveis de água doce, ar puro, terra fértil, menos lixo e um clima estável — sem  os flagelos previstos pela queima crescente de petróleo, gás e carvão que agravam o efeito estufa – deveremos agir agora, sem perda de tempo.

RIE — E por que falar da água é tão importante hoje em dia?

André Trigueiro — No século passado a população do planeta dobrou e o consumo de água doce foi multiplicado por seis. A agricultura consome atualmente 70% da água doce disponível no mundo. O resto do consumo se divide entre indústria, comércio e residências. Há um enorme desperdício desse recurso finito, escasso e cada vez mais raro. No Brasil, estima-se que pouco mais de 20% dos esgotos recebam algum tipo de tratamento, o resto é lançado in natura nos rios e córregos. No mundo, o último relatório da ONU divulgado recentemente sobre o assunto informa que 1 bilhão e 100 milhões de pessoas não têm acesso regular à água potável. O dobro disso não tem saneamento básico. O mesmo relatório afirma que há água suficiente para todos, mas falta competência na gestão dos recursos hídricos e há muita corrupção no processo. Estamos no século XXI e não conseguimos ainda prover boa parte da humanidade desse recurso fundamental à vida.  Há que se discutir, mobilizar e agir. Nada pode ser mais importante do que o acesso a água limpa.       

 RIE — De que forma as energias alternativas ao petróleo podem contribuir para a melhoria da qualidade ambiental?

André Trigueiro — Reduzindo as emissões de gases que saturam a atmosfera, agravam o efeito estufa e causam o aquecimento global. A elevação da temperatura média do planeta promove as mudanças climáticas e uma lista interminável de anomalias que tornam a vida na Terra mais difícil. Além disso, a queima progressiva de petróleo, gás e carvão provoca doenças respiratórias que determinam a morte de aproximadamente 800 milhões de pessoas por ano. As fontes de energia a partir do sol, do vento, da biomassa, do hidrogênio, precisam ser multiplicadas e aprimoradas. Isso já está acontecendo principalmente nos países do bloco europeu. O Brasil é a maior potência mundial na área da hidroeletricidade, e também no uso de biocombustíveis como álcool etanol e mais recentemente as oleoginosas.   

 RIE — O que realmente está acontecendo na floresta amazônica? Ela é de fato o pulmão do mundo?

André Trigueiro — A Amazônia é na verdade o ar condicionado do planeta. As florestas regulam o clima, a umidade, a recarga dos aqüíferos subterrâneos e, em tempos de aquecimento global, é bom lembrar que as florestas estocam enormes quantidades de carbono. Para crescer, uma árvore necessita de água, luz, nutrientes do solo e carbono da atmosfera. Destruir a Amazônia significa promover, de uma só vez, inúmeros estragos ambientais. Apesar de todos os esforços do governo no sentido de estancar a perda de áreas verdes e de biodiversidade naquela parte do planeta que corresponde à metade do território brasileiro, a capilaridade da destruição é assustadora. Temo que a destruição esteja ocorrendo num ritmo mais rápido do que a nossa capacidade de promover o desenvolvimento sustentável na Amazônia, seguindo aquilo que Chico Mendes morreu pregando: “Explorar a floresta em pé gera mais emprego e renda do que devastada”.  

 RIE — O que cada pessoa pode começar a fazer para ajudar a tornar este mundo menos poluído? Como não esbanjar ou, pelo menos, esbanjar pouco os recursos naturais?

André Trigueiro — Nenhum esbanjamento é aceitável. Esbanjar remete ao uso irresponsável dos recursos. Meio ambiente é sinônimo de cuidado, de consciência. Sejamos cuidadosos com a nossa casa. Ela oferece o suficiente para todos. Gostaria de citar mais uma vez Joanna de Ângelis, no livro “Após a tempestade”, quando a veneranda afirma através da psicografia de Divaldo Franco que a poluição que se vê no mundo tem origem dentro de nós: “A poluição mental campeia livre, favorecendo o desbordar daquela de natureza moral, fator primacial para as outras que são visíveis e assustadoras”. Os físicos quânticos explicam que o universo se divide em redes de fenômenos que interagem e se comunicam o tempo todo, numa relação de interdependência. Estamos todos plugados na teia da vida, num universo onde não existe neutralidade: influenciamos o Todo com nossas ações ou omissões. Que sejamos então ativos e conscientes na construção de um mundo melhor e mais justo. Um mundo sustentável.         

 *André Trigueiro é palestrante do EAC 2012 – Encontro Anual Cairbar Schutel, a ocorrer em Matão nos dias 22 e 23 de setembro de 2012. Veja informações completas no site www.usematao.com.br , inclusive inscrições para o evento, exclusivamente por meio desse portal.

Basta clicar EAC 2012.

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