Entrevista: André Trigueiro
*(concedida à RIE – Revista Internacional de Espiritismo, em
maio de 2006)
Espiritismo e Ecologia
O jornalista e escritor André Trigueiro, espírita, alerta para
os perigos da degradação ambiental e analisa a questão ecológica à luz da
Doutrina Espírita.
André Trigueiro é jornalista, pós-graduado em Gestão Ambiental,
professor e criador do curso de Jornalismo Ambiental da PUC/RJ, Coordenador
Editorial e um dos autores do livro Meio ambiente no século XXI (Editora
Sextante, 2003). Desde 1996 atua como repórter e apresentador do “Jornal das
Dez” da Globonews, canal de TV a cabo, onde também produziu, roteirizou e
apresentou programas especiais ligados à temática sócio-ambiental. Pela série
"Água: o desafio do século 21" (2003) recebeu o Prêmio Imprensa
Embratel de Televisão e o Prêmio Ethos - Responsabilidade Social, na categoria
Televisão. É comentarista da Rádio CBN (860 Kwz) onde apresenta aos sábados e
domingos o quadro "Mundo Sustentável". É consultor e articulista do
site www.ecopop.com.br e consultor do WWF. Presidiu
o Júri da VI Edição do Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental de
Goiás. Sobre ecologia e outros temas André concedeu à RIE a seguinte
entrevista:
RIE — Quais são as principais advertências e instruções dos
Espíritos Superiores sobre a questão ambiental?
André Trigueiro — É importante registrar que o trabalho de Codificação realizado
por Allan Kardec ocorreu no mesmo período em que a Revolução Industrial
determinava mudanças importantes na civilização ocidental do século XIX. O
aparecimento das fábricas com o uso progressivo de máquinas e equipamentos
movidos a carvão; novos focos de poluição ambiental; migrações em massa do
campo para a cidade; a demanda crescente de matéria-prima e energia; o
aparecimento da sociedade de consumo e a produção monumental de lixo. O
cenário ainda não era de crise ambiental, mas os efeitos colaterais desse
modelo de desenvolvimento insustentável apareceriam com força na segunda metade
do século XX, após a Segunda Grande Guerra. A literatura espírita traz
muitas informações importantes sobre a questão ambiental. Para citar
apenas alguns exemplos, começamos pela pergunta 121 do livro “O Consolador”,
psicografado por Chico Xavier, que vai direto ao ponto: “O meio ambiente influi
no Espírito?”, ao que Emmanuel responde: “O Meio Ambiente em que a alma
renasceu, muitas vezes constituiu prova expiatória; com poderosas influências
sobre a personalidade, faz-se indispensável que o coração esclarecido coopere
na sua transformação para o bem, melhorando e elevando as condições materiais e
morais de todos os que vivem na sua zona de influência”. Joanna de Ângelis, no
livro “Após a Tempestade”, psicografado por Divaldo Franco no ano de 1972 (
quando a ONU organizava em Estocolmo, na Suécia, a primeira Conferência
Internacional sobre Meio Ambiente Humano) observa no capítulo intitulado
“Poluição e Psicosfera” que “ Ecólogos do mundo inteiro preocupam-se com a
poluição devastadora que resulta de detritos superlativos atirados nos oceanos,
rios, lagos e terras “inúteis” (...). O programa para o saneamento de tão
perigoso estado de coisas já foi apresentado por Jesus, O Sublime Ecólogo, que
em a Natureza, preservando-a, abençoando-a, dela se utilizou, apresentando os
métodos e as técnicas da felicidade (...) estabelecendo as bases para o reino
de amor e harmonia, sem fim, sem dores, sem apreensões. No livro
“Atualidade do Pensamento Espírita”, também psicografado por Divaldo Franco,
Vianna de Carvalho reserva as questões 54 a 63 ao assunto “Ecologia”. Quando
Kardec afirmou que “o verdadeiro Espiritismo é aquele que encara a razão frente
a frente em todas as fases da humanidade”, selou o compromisso da doutrina
espírita de manter-se constantemente em sintonia com as novas descobertas da
ciência. E é justamente da comunidade científica que emerge o alerta que
estaríamos experimentando hoje uma crise ambiental sem precedentes na História.
O Espiritismo tem como contribuir em favor de um mundo onde o desenvolvimento
não seja sinônimo de destruição.
RIE — A resposta à questão 705 de "O Livro dos
Espíritos" diz que "A Terra produziria sempre o necessário, se com o
necessário soubesse o homem contentar-se." O que é o consumismo, se
vivemos numa sociedade de consumo?
André Trigueiro — É importante diferenciar “consumo” de “consumismo”. O consumo
é fundamental à vida. O “consumismo” degrada a vida. Quem se deixa levar pelos
apelos da publicidade na direção do consumo compulsivo, irracional e
irresponsável acelera a exaustão dos recursos naturais não renováveis
fundamentais à vida. É bom lembrar que todos os produtos demandam matéria-prima
e energia para existir. O planeta é um só, e se todos os seus habitantes
consumissem como um norte-americano ou um europeu seriam necessários mais
quatro planetas Terra. Alguns estudos revelam que a capacidade de o planeta
suprir as nossas atuais demandas de matéria-prima e energia já estaria defasada
em 20%. Mahatma Gandhi disse certa vez que “a Terra pode oferecer o suficiente
para satisfazer as necessidades de todos os homens, mas não a ganância de todos
os homens”. Não vejo nenhuma diferença entre o que disse Gandhi e a resposta
dada pelos Espíritos à pergunta 705 do L.E. Rever os atuais padrões de consumo
da humanidade — especialmente da parcela mais abastada concentrada no
hemisfério norte e nas ilhas de prosperidade do resto do mundo, como as classes
mais favorecidas das grandes cidades brasileiras — se impõe, como condição de
sobrevivência.
RIE — Alertam os Espíritos que o Espiritismo contribui para o
progresso destruindo uma das chagas da sociedade, que é o materialismo (questão
799 de O Livro dos Espíritos). O que isso tem a ver com o problema ambiental?
André Trigueiro — O consumismo poderia ser entendido como uma das manifestações
mais graves e preocupantes do materialismo. O apego à matéria se revela no
desejo insaciável de consumo de bens e de serviços, no deleite das liquidações,
na fascinação pelas vitrines, na rotineira preocupação em promover festas de
Natal repletas de presentes caros e guloseimas sem que o aniversariante seja
efetivamente lembrado, no entendimento de que ser feliz é ter dinheiro para
comprar tudo o que se quer. Sendo o consumismo um câncer que destrói rápida e
vorazmente os recursos naturais não renováveis fundamentais à vida, fecha-se o
ciclo do modelo suicida de desenvolvimento. Vejamos o exemplo da água: para
cada tonelada de aço são necessários 15 mil litros de água. Para cada automóvel
mil cilindradas, aproximadamente 5 mil litros de água. Para cada quilo de arroz,
1.500 litros de água. Se o que consumimos é necessário, justifica-se o uso. Se
é para colecionar ostentar ou para reforçar a imagem de pessoa “bem-sucedida e
feliz”, agrava-se o desperdício.
RIE — Do ponto de vista espírita, é possível conciliar o
progresso tecnológico com a degradação ambiental?
André Trigueiro — Avanço tecnológico não deve ser sinônimo de destruição. A boa
tecnologia deve ser aquela que está a serviço da vida, não da morte.
RIE — Com a transformação da Terra em um planeta de
regeneração, automaticamente o meio ambiente estará equilibrado?
André Trigueiro — Não. É importante combater a passividade com que muitos
espíritas esperam essa transformação. No capítulo III do Evangelho Segundo o
Espiritismo, Santo Agostinho explica a transição de um mundo de provas e
expiações para um mundo de regeneração nos seguintes termos: neste novo
“mundo”, mesmo livre das paixões desordenadas, num clima de calma e repouso, a
humanidade ainda estará sujeita “às vicissitudes de que não estão isentos senão
os seres completamente desmaterializados; há ainda provas a suportar (...) e
que “nesses mundos, o homem ainda é falível, e o Espírito do mal não perdeu,
ali, completamente o seu império. Não avançar é recuar, e se não está firme no
caminho do bem, pode voltar a cair nos mundos de expiação, onde o esperam novas
e terríveis provas”. Ou seja, não há mágica no processo evolutivo: nós já somos
os construtores do mundo de regeneração, e, se não corrigirmos o rumo na
direção do desenvolvimento sustentável, prorrogaremos situações de desconforto
já amplamente diagnosticadas. Não é possível, portanto, esperar a chegada do
mundo de regeneração de braços cruzados. Até porque, sem os devidos méritos
evolutivos, boa parte de nós deverá retornar a esse mundo pelas portas da
reencarnação. Se ainda quisermos encontrar aqui estoques razoáveis de água
doce, ar puro, terra fértil, menos lixo e um clima estável — sem os
flagelos previstos pela queima crescente de petróleo, gás e carvão que agravam
o efeito estufa – deveremos agir agora, sem perda de tempo.
RIE — E por que falar da água é tão importante hoje em dia?
André Trigueiro — No século passado a população do planeta dobrou e o consumo
de água doce foi multiplicado por seis. A agricultura consome atualmente 70% da
água doce disponível no mundo. O resto do consumo se divide entre indústria,
comércio e residências. Há um enorme desperdício desse recurso finito, escasso
e cada vez mais raro. No Brasil, estima-se que pouco mais de 20% dos esgotos
recebam algum tipo de tratamento, o resto é lançado in natura nos rios e
córregos. No mundo, o último relatório da ONU divulgado recentemente sobre o
assunto informa que 1 bilhão e 100 milhões de pessoas não têm acesso regular à
água potável. O dobro disso não tem saneamento básico. O mesmo relatório afirma
que há água suficiente para todos, mas falta competência na gestão dos recursos
hídricos e há muita corrupção no processo. Estamos no século XXI e não
conseguimos ainda prover boa parte da humanidade desse recurso fundamental à
vida. Há que se discutir, mobilizar e agir. Nada pode ser mais importante
do que o acesso a água limpa.
RIE — De que forma as energias alternativas ao
petróleo podem contribuir para a melhoria da qualidade ambiental?
André Trigueiro — Reduzindo as emissões de gases que saturam a atmosfera,
agravam o efeito estufa e causam o aquecimento global. A elevação da
temperatura média do planeta promove as mudanças climáticas e uma lista
interminável de anomalias que tornam a vida na Terra mais difícil. Além disso,
a queima progressiva de petróleo, gás e carvão provoca doenças respiratórias
que determinam a morte de aproximadamente 800 milhões de pessoas por ano. As
fontes de energia a partir do sol, do vento, da biomassa, do hidrogênio,
precisam ser multiplicadas e aprimoradas. Isso já está acontecendo
principalmente nos países do bloco europeu. O Brasil é a maior potência mundial
na área da hidroeletricidade, e também no uso de biocombustíveis como álcool
etanol e mais recentemente as oleoginosas.
RIE — O que realmente está acontecendo na floresta
amazônica? Ela é de fato o pulmão do mundo?
André Trigueiro — A Amazônia é na verdade o ar condicionado do planeta. As
florestas regulam o clima, a umidade, a recarga dos aqüíferos subterrâneos e,
em tempos de aquecimento global, é bom lembrar que as florestas estocam enormes
quantidades de carbono. Para crescer, uma árvore necessita de água, luz,
nutrientes do solo e carbono da atmosfera. Destruir a Amazônia significa
promover, de uma só vez, inúmeros estragos ambientais. Apesar de todos os
esforços do governo no sentido de estancar a perda de áreas verdes e de biodiversidade
naquela parte do planeta que corresponde à metade do território brasileiro, a
capilaridade da destruição é assustadora. Temo que a destruição esteja
ocorrendo num ritmo mais rápido do que a nossa capacidade de promover o
desenvolvimento sustentável na Amazônia, seguindo aquilo que Chico Mendes
morreu pregando: “Explorar a floresta em pé gera mais emprego e renda do que
devastada”.
RIE — O que cada pessoa pode começar a fazer para
ajudar a tornar este mundo menos poluído? Como não esbanjar ou, pelo menos,
esbanjar pouco os recursos naturais?
André Trigueiro — Nenhum esbanjamento é aceitável. Esbanjar remete ao uso
irresponsável dos recursos. Meio ambiente é sinônimo de cuidado, de
consciência. Sejamos cuidadosos com a nossa casa. Ela oferece o suficiente para
todos. Gostaria de citar mais uma vez Joanna de Ângelis, no livro “Após a
tempestade”, quando a veneranda afirma através da psicografia de Divaldo Franco
que a poluição que se vê no mundo tem origem dentro de nós: “A poluição mental
campeia livre, favorecendo o desbordar daquela de natureza moral, fator
primacial para as outras que são visíveis e assustadoras”. Os físicos quânticos
explicam que o universo se divide em redes de fenômenos que interagem e se
comunicam o tempo todo, numa relação de interdependência. Estamos todos
plugados na teia da vida, num universo onde não existe neutralidade:
influenciamos o Todo com nossas ações ou omissões. Que sejamos então ativos e
conscientes na construção de um mundo melhor e mais justo. Um mundo
sustentável.
*André Trigueiro é palestrante do EAC 2012 – Encontro
Anual Cairbar Schutel, a ocorrer em Matão nos dias 22 e 23 de setembro de 2012.
Veja informações completas no site www.usematao.com.br
, inclusive inscrições para o evento, exclusivamente por meio desse portal.
Basta clicar EAC 2012.
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