TEMPO DE ELEIÇÕES
Tempo de eleições. No ar, o clima de competição por vaga para defesa dos
interesses do povo. A sanha com que a maioria dos candidatos se atira a esta
luta, só nos faz pensar que o mundo está cheio de gente altruísta e idealista.
As propagandas no rádio e televisão apresentam candidatos com o mesmo perfil de
sempre. Todos são bons, honestos e lutam por melhorias na coletividade. Os
adversários não. São sempre ladrões e aproveitadores. Eleitos, todos seguem
quase sempre pelo mesmo caminho, às vezes até de mãos dadas, lendo quase que
unanimemente a mesma cartilha. O povo que os elegeu? Bem, esses aguardam
pacientemente uma nova eleição. E tudo segue no marasmático ambiente de
ignorância política e falta de entendimento do que é ser um cidadão.
Caminhando pelas ruas de uma das
maiores cidades da América Latina, dias atrás, pude ver no rosto das pessoas o
medo, a desolação, a insegurança. Ninguém tem coragem de parar para dar uma
simples informação. Todos têm muita pressa em chegar são e salvo ao seu
destino, que na verdade, nunca sabem de fato qual seja. São estranhos uns aos
outros e a sensação é a de que todos são inimigos até que se prove o contrário.
À noite, amontoados abaixo dos grandes viadutos, estão os desgraçados. Famílias
inteiras, crianças sonolentas e irritadas, mães jovens e já envelhecidas pela
miséria, homens velhos e alguns ainda bem jovens, envolvidos pela embriaguez
das drogas ou do álcool, estiram-se no que consideram suas casas, e sentem-se
ao abrigo das intempéries, apesar do frio de menos de 10 graus. Alguns ousam
construir suas casas e erguem paredes de papelão, guardando-se com pudor da
curiosidade alheia.
Nesta grande selva de pedra, porém,
algumas equipes de pessoas preocupadas com o bem estar alheio, levam um pouco
de lenitivo a esses pobres coitados: sopas, caldos, cobertores, roupas,
calçados. No rosto de alguns, inacreditavelmente ainda se vislumbra um lampejo
de esperança de dias melhores, um riso de gratidão e até um agradecimento a
Deus por ter recebido ajuda naquele dia, enquanto tantos ainda permanecem com
fome e frio. Outros, revoltados com aquela situação humilhante, soltam
insultos, talvez por conta da ação nefasta das drogas, mecanismo utilizado pela
maioria para permanecer dormindo o maior tempo possível e fugir do mundo real.
Diante deste quadro da miséria humana, perguntamos: até quando será possível
suportar tamanha desigualdade? Até quando essas pessoas irão encarar com
normalidade suas casas sendo construídas com papelão, suas crianças sendo
deitadas em cima de trapos e suas próprias vidas sendo desvalorizadas a ponto
de serem confundidas com amontoados de lixos?
Tempo de eleições. Os homens eleitos
são os mesmos que passam pelos viadutos. São os mesmos que construíram os
viadutos; são os mesmos que fecham os vidros de seus carros quando deles se
aproxima alguns desses; que andam com seus seguranças com medo de assaltos ou
seqüestro, que mandam seus filhos para realizar seus estudos nos países
desenvolvidos por não acreditar no seu; que fazem as leis, mas são os primeiros
a burlá-las; que aprovam orçamentos superfaturados; que constroem mansões com
mais metros quadrados do que poderá um dia usufruir. E são os mesmos que à
noite, repousam suas cabeças em macios travesseiros sem nenhuma dor na
consciência.
Mas onde estão os homens das
propagandas eleitorais? Aqueles que prometeram lutar pela abolição da miséria,
que tirariam os mendigos das ruas, que lutariam por uma condição de vida digna
para todos? Aqueles que construiriam escolas, hospitais e moradia para as
populações pobres? Acontece que lá chegando, existe um outro espírito que
comanda sua vontade. Brigando por interesses pessoais e de grupos, esquecem-se
de sua tarefa maior de prover os interesses do povo. Com raras exceções, o poder
lhes ofusca a mente e rapidamente esquece que não estão ali para atender suas
necessidades. E como o povo não faz as cobranças devidas para esses maus
políticos, a coisa vai se perpetuando ano após ano, até que um dia o caldo seja
derramado da pior forma possível.
A sociedade está se cansando
rapidamente dessas situações e reclama uma ação enérgica por parte do governo.
Quer mudanças de postura em relação à dignidade humana sem distinção de
classes. Não estamos mais na era dos feudos, embora muitos ainda se comportem
como senhores feudais. As últimas invasões a supermercados e shoppings são um
sinal de que as coisas não podem mais ser encaradas dessa maneira. Sem deixar
de considerar a manipulação política dos líderes desses movimentos, as pessoas
estão mesmo sem teto, sem comida, sem escola e sem saúde. E também sem
paciência. Isso é um fato que se torna insustentável a cada dia.
Existe uma crise moral que envolve
todos os segmentos da sociedade. Quem não tem maturidade nem compromisso maior
com a vida, se deixará envolver facilmente pelos apelos das facilidades
materiais e de poder. Não identificará a atual situação de destrambelho em que
vive o planeta e a cautela com que tem de agir em todos os sentidos. Deixará de
lado suas responsabilidades maiores para dar vazão ao atendimento apenas de
suas egoístas necessidades, nem sempre tão necessárias. Os mendigos não são
mendigos porque querem, como muitos pensam. A pobreza não precisa ser
necessariamente miséria. Não podemos nos conformar com o fato de que, por serem
pedintes, estão “cumprindo seus carmas”, como fazem muitos espíritas sem
entendimento do essencial. Também não estão nessa situação para que outros
possam exercer a caridade. Seria colocar a justiça de Deus nos estreitos
limites da justiça dos homens. São pessoas que se submetem à humilhação de
pedir por falta de perspectiva de vida melhor. Não deveriam estar ali se as
leis do país fossem obedecidas. Não tem emprego, educação, moradia. Coisas
simplesmente básicas para que se possa viver com certa dignidade. Com uma
melhor distribuição de renda certamente esse quadro de miseráveis seria
reduzido drasticamente. Trabalhar pela mudança desse panorama é tarefa dos
homens, políticos ou não.
A mobilização maior, a princípio, é
mudar o perfil dos eleitos. Em vez dos políticos profissionais, que elejamos
homens de bem. E lutemos junto a eles para que a desigualdade social seja
minimizada. E enquanto isso não acontece, que se minimize o sofrimento, que se
vista os nus, que se aplaque o frio, a sede, a fome e o desespero desses que
são fruto de uma sociedade injusta e desigual, em um planeta de grande atraso
moral como o nosso.
Vanda Simões
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