quinta-feira, 30 de agosto de 2012

TEMPO DE ELEIÇÕES
 
Tempo de eleições. No ar, o clima de competição por vaga para defesa dos interesses do povo. A sanha com que a maioria dos candidatos se atira a esta luta, só nos faz pensar que o mundo está cheio de gente altruísta e idealista. As propagandas no rádio e televisão apresentam candidatos com o mesmo perfil de sempre. Todos são bons, honestos e lutam por melhorias na coletividade. Os adversários não. São sempre ladrões e aproveitadores. Eleitos, todos seguem quase sempre pelo mesmo caminho, às vezes até de mãos dadas, lendo quase que unanimemente a mesma cartilha. O povo que os elegeu? Bem, esses aguardam pacientemente uma nova eleição. E tudo segue no marasmático ambiente de ignorância política e falta de entendimento do que é ser um cidadão.
Caminhando pelas ruas de uma das maiores cidades da América Latina, dias atrás, pude ver no rosto das pessoas o medo, a desolação, a insegurança. Ninguém tem coragem de parar para dar uma simples informação. Todos têm muita pressa em chegar são e salvo ao seu destino, que na verdade, nunca sabem de fato qual seja. São estranhos uns aos outros e a sensação é a de que todos são inimigos até que se prove o contrário. À noite, amontoados abaixo dos grandes viadutos, estão os desgraçados. Famílias inteiras, crianças sonolentas e irritadas, mães jovens e já envelhecidas pela miséria, homens velhos e alguns ainda bem jovens, envolvidos pela embriaguez das drogas ou do álcool, estiram-se no que consideram suas casas, e sentem-se ao abrigo das intempéries, apesar do frio de menos de 10 graus. Alguns ousam construir suas casas e erguem paredes de papelão, guardando-se com pudor da curiosidade alheia.
Nesta grande selva de pedra, porém, algumas equipes de pessoas preocupadas com o bem estar alheio, levam um pouco de lenitivo a esses pobres coitados: sopas, caldos, cobertores, roupas, calçados. No rosto de alguns, inacreditavelmente ainda se vislumbra um lampejo de esperança de dias melhores, um riso de gratidão e até um agradecimento a Deus por ter recebido ajuda naquele dia, enquanto tantos ainda permanecem com fome e frio. Outros, revoltados com aquela situação humilhante, soltam insultos, talvez por conta da ação nefasta das drogas, mecanismo utilizado pela maioria para permanecer dormindo o maior tempo possível e fugir do mundo real. Diante deste quadro da miséria humana, perguntamos: até quando será possível suportar tamanha desigualdade? Até quando essas pessoas irão encarar com normalidade suas casas sendo construídas com papelão, suas crianças sendo deitadas em cima de trapos e suas próprias vidas sendo desvalorizadas a ponto de serem confundidas com amontoados de lixos?
Tempo de eleições. Os homens eleitos são os mesmos que passam pelos viadutos. São os mesmos que construíram os viadutos; são os mesmos que fecham os vidros de seus carros quando deles se aproxima alguns desses; que andam com seus seguranças com medo de assaltos ou seqüestro, que mandam seus filhos para realizar seus estudos nos países desenvolvidos por não acreditar no seu; que fazem as leis, mas são os primeiros a burlá-las; que aprovam orçamentos superfaturados; que constroem mansões com mais metros quadrados do que poderá um dia usufruir. E são os mesmos que à noite, repousam suas cabeças em macios travesseiros sem nenhuma dor na consciência.
Mas onde estão os homens das propagandas eleitorais? Aqueles que prometeram lutar pela abolição da miséria, que tirariam os mendigos das ruas, que lutariam por uma condição de vida digna para todos? Aqueles que construiriam escolas, hospitais e moradia para as populações pobres? Acontece que lá chegando, existe um outro espírito que comanda sua vontade. Brigando por interesses pessoais e de grupos, esquecem-se de sua tarefa maior de prover os interesses do povo. Com raras exceções, o poder lhes ofusca a mente e rapidamente esquece que não estão ali para atender suas necessidades. E como o povo não faz as cobranças devidas para esses maus políticos, a coisa vai se perpetuando ano após ano, até que um dia o caldo seja derramado da pior forma possível.
A sociedade está se cansando rapidamente dessas situações e reclama uma ação enérgica por parte do governo. Quer mudanças de postura em relação à dignidade humana sem distinção de classes. Não estamos mais na era dos feudos, embora muitos ainda se comportem como senhores feudais. As últimas invasões a supermercados e shoppings são um sinal de que as coisas não podem mais ser encaradas dessa maneira. Sem deixar de considerar a manipulação política dos líderes desses movimentos, as pessoas estão mesmo sem teto, sem comida, sem escola e sem saúde. E também sem paciência. Isso é um fato que se torna insustentável a cada dia.
Existe uma crise moral que envolve todos os segmentos da sociedade. Quem não tem maturidade nem compromisso maior com a vida, se deixará envolver facilmente pelos apelos das facilidades materiais e de poder. Não identificará a atual situação de destrambelho em que vive o planeta e a cautela com que tem de agir em todos os sentidos. Deixará de lado suas responsabilidades maiores para dar vazão ao atendimento apenas de suas egoístas necessidades, nem sempre tão necessárias. Os mendigos não são mendigos porque querem, como muitos pensam. A pobreza não precisa ser necessariamente miséria. Não podemos nos conformar com o fato de que, por serem pedintes, estão “cumprindo seus carmas”, como fazem muitos espíritas sem entendimento do essencial. Também não estão nessa situação para que outros possam exercer a caridade. Seria colocar a justiça de Deus nos estreitos limites da justiça dos homens. São pessoas que se submetem à humilhação de pedir por falta de perspectiva de vida melhor. Não deveriam estar ali se as leis do país fossem obedecidas. Não tem emprego, educação, moradia. Coisas simplesmente básicas para que se possa viver com certa dignidade. Com uma melhor distribuição de renda certamente esse quadro de miseráveis seria reduzido drasticamente. Trabalhar pela mudança desse panorama é tarefa dos homens, políticos ou não.
A mobilização maior, a princípio, é mudar o perfil dos eleitos. Em vez dos políticos profissionais, que elejamos homens de bem. E lutemos junto a eles para que a desigualdade social seja minimizada. E enquanto isso não acontece, que se minimize o sofrimento, que se vista os nus, que se aplaque o frio, a sede, a fome e o desespero desses que são fruto de uma sociedade injusta e desigual, em um planeta de grande atraso moral como o nosso.

Vanda Simões

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