EXERCÍCIO DE CIDADANIA?
Daqui há menos de dez dias o povo irá às urnas. Estará exercitando o direito de escolher seus representantes, uma das maiores conquistas do mundo moderno em termos de expressão de cidadania. Poderá contribuir muito para a melhoria de sua vida, pois escolherá os nomes de quem conduzirá os destinos da nação. São pessoas que trabalharão em nome do povo, lutarão por leis mais justas, por condições melhores de moradia, saúde, educação e trabalho. Serão dignos representantes do povo brasileiro nos Estados e na capital federal. Governarão juntamente com o presidente, que, igualmente, será eleito e trabalhará para estabelecer no país um estado de tranquilidade política e econômica, proporcionando ao povo uma situação de vida respeitável e digna. Bem, pelo menos é assim que deveria ser. Mas aqui teremos que traçar uma linha entre o real e o imaginário.
Assistindo o horário eleitoral gratuito,
constatamos uma realidade: o povo nunca foi tão festejado e valorizado como em época
de eleições. Se todas as lutas e conquistas realizadas pelos políticos em favor
do povo, propaladas nas campanhas, fossem verdadeiras, pouco ou nada restaria
para ser feito. São tantas as realizações e tantos os homens, que se dizem de
bem, que lutam pelo bem-estar da população, que tratam as questões públicas com
seriedade, que são altruístas e abnegados servidores do povo, que só nos resta
duas possibilidades de conclusão: ou estamos em um país melhor, e não sabemos,
ou os políticos não têm um maior compromisso com a verdade.
Não queremos aqui fazer uma apologia ao
negativismo, mostrando uma imagem negra do país, mas, lamentavelmente, o
panorama político que aí está não é nada animador. O que poderia nos trazer
esperanças de mudanças seria a escolha de melhores representantes através do
exercício do voto. Infelizmente isso passa por uma melhor conscientização do
homem como cidadão, que por sua vez, está intimamente ligada à educação e
amadurecimento político da sociedade.
A realidade do nosso país, nesse aspecto, nos
traz grandes preocupações e prognósticos sombrios a curto e médio prazo, no que
diz respeito às melhorias do quadro representativo político da nação. Embora
tenha havido um crescimento do eleitorado nos últimos 30 anos, em decorrência,
em parte, à extensão do direito de voto aos analfabetos, o quadro parece
desalentador quando se analisa a capacidade de exercício de cidadania dos
eleitores. Para se ter uma idéia, 66% da população do país vota. Entretanto,
segundo dados do próprio TSE, mais de 65% dos eleitores não possuem sequer o
primeiro grau completo. E o que é ainda pior, cerca de 30% destes são
analfabetos totais ou funcionais, para se usar um termo técnico, ou seja, são
pessoas que entendem com dificuldades textos pequenos e simples.
O resultado desse desastre e descaso com a
educação se vê no enorme prejuízo que traz para o exercício da cidadania, entre
outros tantos, consequentemente a escolha de candidatos com o mesmo perfil de
sempre: prometem muito, mas pouco fazem para mudar a face ignorante e
analfabeta do Brasil, por ser este seu maior contigente de eleitores.
Na região Norte e Nordeste do país, onde se
concentra maior número de necessitados, elegem-se aqueles que distribuem mais
na época das campanhas. E as distribuições são as mais inusitadas. Desde
sandálias até dentaduras, incluindo óculos, remédios, consultas médicas,
ligaduras de trompas etc. Sem consciência do seu poder de mudanças e acostumado
a viver com migalhas, na verdade os pobres aproveitam a época das campanhas eleitorais
para conseguir um pouco do que jamais conseguirão nos anos seguintes de mandato
de seus representantes. É triste, mas é a pura e dura realidade.
Enquanto persiste a campanha, sentem-se
valorizados, seus bairros sem saneamento são visitados com frequência, seus
pobres filhos são acariciados e beijados diante das câmeras de TV, seus jegues
aparecem nos jornais do país inteiro, suas ruas são asfaltadas, suas escolas
pintadas e por aí vai. Tudo se resolverá como num sonho. Passam as eleições, os
"amigos do povo" recolhem-se aos seus gabinetes e tudo volta aos
costumes. As promessas? Bem, isso é outra história.
Tivesse o homem público a noção da imensa
responsabilidade que assume ao se comprometer com essa missão, teria uma outra
postura. Lutaria de fato por melhores condições de vida para a comunidade que
representa e que confiou nele. Legislaria para o povo e não em causa própria.
Buscaria um estado novo de paz e fraternidade, estabelecendo leis mais justas.
Principalmente se tivesse a idéia da lei de causa e efeito e da pluralidade das
existências, pois estaria trabalhando para o seu próprio futuro como Espírito
imortal. Mas para isso necessitaria de um maior amadurecimento moral que o
faria compreender a transitoriedade de tudo. Sem isso não sabe, por exemplo,
que amanhã poderá estar no lugar dos pobres que hoje o elegem. Por enquanto, só
compreende que seu mandato pode acabar e luta freneticamente para mantê-lo. E
salve-se quem puder!
Texto publicado no site em 25/09/98. Analise o
editorial acima e verifique se isso ainda acontece hoje
Vanda Simões
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