O HOMEM E
AS OBRAS
"Uma casa bem ou mal feita não
torna o carpinteiro bom ou mau, mas um bom ou mau carpinteiro fará uma casa boa
ou má; a obra não faz o mestre, a obra será exatamente como é o seu mestre.
Portanto, as obras de um homem corresponderão também à sua fé ou falta de fé,
de acordo com a qual serão boas ou más" – Martinho Lutero
Todo espírita cristão deveria ter
contato com a doutrina desse monge agostiniano, que no ano de 1525 promoveu
verdadeira guerra contra os domínios que a Igreja Católica mantinha sobre os povos
do planeta. Foi ele quem deu vida à Reforma Protestante, iniciada por outros
homens notáveis, como João Huss e João Wycliffe, abrindo espaço para que o
pensamento humano pudesse respirar livremente, sem medo de ser sufocado pela
fogueira.
Diversos textos de Lutero têm sido
publicados por autores que o admiram e por outros que o detestam até às últimas
consequências. Nos últimos dias o mercado literário recebeu mais uma obra do
Reformador alemão, publicada pela editora Unesp. Trata-se do texto "Da
liberdade do Cristão", um dos mais importantes trabalhos dessa figura
controversa, que marcou a história da humanidade e cujo feito foi recentemente
considerado o terceiro mais importante fato do milênio. No meio espírita, o
pesquisador Hermínio Miranda publicou pela FEB, dois livros muito interessantes
(As Marcas do Cristo, vol. I e II), que tratam da hipótese de que Martinho
teria sido a encarnação de Paulo de Tarso, o Apóstolo dos Gentios.
Suposições à parte, as obras merecem
ser examinadas por todos os espíritas que desejam instruir-se. Além de retratar
detalhadamente a vida do Convertido de Damasco, o autor ainda discorre sobre a
vida de Lutero, de sua luta para conseguir que o domínio papal fosse colocado
definitivamente por terra.
O texto que colocamos na abertura
desses escritos vem mostrar-nos a elevação desse expoente do pensamento
cristão, responsável pela gênese do protestantismo. Acusado por seus inimigos
de ter uma fé cega e de semear a ideia da predestinação, Martinho não é o
monstro que tentam fazer parecer. Muitas de suas colocações foram e são mal
interpretadas por indivíduos preconceituosos que, abertamente se posicionam
contra a ideia da religião: os laicos de todos os tempos.
O primeiro ensinamento que se pode
depreender do texto luterano é de que a obra do bem começa dentro do homem. É
de dentro para fora que a edificação espiritual ser precisa ser trabalhada. De
forma até que irônica, o Reformador diz que as obras más não fazem o homem mal,
mas que o homem mal, sim, é quem faz as más obras. Ora, nada mais lógico. Se um
general resolve despejar sobre uma cidade uma bomba atômica para destruir
milhares de vida, seguramente não será a bomba, nem as mortes que o farão mal.
O mal já existia dentro desse homem. Para adentrar os Planos Superiores da
vida, precisaria de segura reforma moral, ainda que não jogasse a bomba. O
mesmo se aplica às obras boas. Muita gente no Espiritismo pensa que fazer
caridade (material) conduz à salvação. Há quem promova verdadeiras frentes de
trabalhos, para deixar sua consciência em paz e garantir sua entrada nas
colônias espirituais. Fala-se muito em melhorias morais, mas as obras
exteriores fazem as pessoas acreditar que estão melhores interiormente e frequentemente
a reforma interior fica esquecida.
Quando alguém chega numa casa
espírita buscando ajuda espiritual, a primeira preocupação de seus dirigentes e
trabalhadores deve ser a de instruir no campo da moral e da filosofia. Claro,
não se deixará de ministrar a essa criatura os primeiros socorros (a
desobsessão, a cura, o conforto, etc), mas a preocupação fundamental deverá ser
obrigatoriamente a da instrução. E, se pode fazer isso de diversas maneiras.
Pela ordem lógica: Palestras, livros, instruções pessoais, cursos de
Espiritismo e por derradeiro as obras no campo da caridade (material). Não se
deve inverter o processo, sob pena de se colocar a perder o trabalho que se
pode fazer junto de quem veio ao centro buscar a água da Vida.
A palestra, temos afirmado, é o
momento mais importante da casa espírita. Não dá para se compreender que no
momento em que os ensinamentos vão ser ministrados pelo expositor, qualquer
outra atividade possa estar se desenvolvendo simultaneamente. É na palestra que
as pessoas são envolvidas pelo espírito do trabalho e começam a respirar uma
atmosfera diferente daquela insalubre de onde saiu. Os livros, podem ser
apresentados (aí entra o papel dos romances e obras subsidiárias sérias) logo
de imediato, de modo que o Espírito do indivíduo possa ter contato com um novo
mundo de idéias (as idéias espíritas). Mas tudo deve ser feito gradualmente,
para que o excesso de luz não venha cegar. Evidente que não se vai negar o
direito de alguém ajudar numa campanha ou mesmo promover realizações
voluntárias no campo da caridade material. Mas não se pode esquecer que a
caridade primeira é a moral.
Nos casos de tratamentos de obsessões
tenazes, instruções pessoais poderão ser ministradas aos necessitados. É
aconselhável, porém, que só depois de alguns meses de frequência regular à
casa, sejam apresentados os cursos de Espiritismo. Cursos que oferecerão
aprofundamento doutrinário e abrirão as portas para os interessados em
tornarem-se membros da sociedade espírita. Um homem melhorado terá condições de
fazer as boas obras, enquanto os homens comuns apenas fazem obras para o alívio
de suas consciências, ou na espera de que Deus, por compaixão, resolva seus
problemas. Eis a dura realidade.
Quando fala da fé, Lutero não ensina
a fé cega. Ele mostra nesse pequeno trecho que a fé a seu ver, traduzia-se na
idéia daquele que crê. E, por acreditar, faz as obras do Espírito. Daí, ele
afirmar que sem fé o homem faria obras ruins e com fé, faria obras boas. Fé,
para Martinho, era sinônimo de conhecimento, obediência e execução da Lei. Só a
fé salvaria, afirmava e tinha razão. Ainda que fizesse boas obras materiais, um
homem que não acreditasse em Deus ou conhecesse suas leis, estaria sem
condições mentais para adentrar o Reino de Deus. Sim, o Pai o julgaria conforme
a sua intimidade, mas a obra certamente seria incompleta, pois que despida do
sal que salga, da luz que alumia. Que vale a obra que glorifica o próprio dono
e não o Criador?
O Reformador alemão errou ensinando a
predestinação, ou seja, a doutrina em que os homens já nasciam destinados ao
bem ou ao mal. Este foi seu maior equívoco que, infelizmente, ainda é
alimentado pela ortodoxia protestante. Mas trata-se de um equivoco
compreensível. Sem a ideia da reencarnação a obra de Deus na Terra é incompleta
e naquele tempo não se cogitava em torno dessas verdades até então consideradas
"utopias". Este foi um dos maiores tormentos de Lutero, que não
entendia os motivos pelos quais o Altíssimo criava homens para destinos tão
diferentes. Mas de sua vida e doutrina podemos retirar pérolas preciosas, como
esta que vimos. Evitemos, pois, inverter a ordem da instrução espiritual no
trato com o encaminhamento do cristão. Primeiro a mudança interior, depois as
obras.
José Queid Tufaile Huaixan
Texto publicado no site em 12/03/99
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