DIA DA CRIANÇA:
COMEMORAR O QUÊ?
Muito se tem falado sobre a violência infantil. Frequentemente estas notícias
ultrapassam nossas fronteiras e são divulgadas nos órgãos de imprensa de outros
países, que se mostram perplexos com a forma como são tratadas as nossas
crianças. As propagandas de brinquedos e de produtos infantis saturam os meios
de comunicação na tentativa de mais faturamento, enquanto nestes mesmos canais,
as estatísticas mostram que cada vez menos crianças têm acesso ao básico:
educação, saúde e alimentação. Para outros, quando têm, são insuficientes e de
baixa qualidade. Isso, sem contar as notícias de abuso físico e sexual a que
são submetidas milhares delas, como no caso recente da menina de 10 anos que
vinha sendo seviciada há 3, o que ocasionou sua gravidez e posterior aborto.
Enquanto algumas crianças brincam em
sua luta imaginária com os bonecos dos heróis da TV, outras vagueiam pelas ruas
na luta real e cruel pela sobrevivência, buscando seu pão de cada dia e, quem
sabe, algumas migalhas de amor, quase sempre negadas pelos passantes apressados
em festejar o dia dedicado às crianças.
O "dia da criança" é mais
uma daquelas datas criadas apenas para atender a interesses comerciais dos que
só pensam em faturar financeiramente, esquecendo-se que todo dia é dia da
criança. Diariamente nascem milhares delas de futuro incerto e outras tantas
morrem sem ter tido a oportunidade de exercer seu direito primário que é a
vida.
Há algo a comemorar neste dia? O que
temos feito para oferecer um futuro melhor para estas crianças que serão responsáveis
pelo futuro do país e até do próprio Universo? Será que, mesmo aquelas crianças
de famílias mais abastadas, estão tendo uma educação adequada para enfrentar o
futuro próximo? Ou estão apenas sendo preparadas intelectual e materialmente
para serem pessoas de "sucesso". Estas, que têm todas as
possibilidades de tornarem-se indivíduos de destaque, podendo vir a ser os
governantes do futuro, se não tiverem, juntamente com a educação intelectual e
profissional, a educação moral e espiritual adequadas, nada farão para mudar
esta situação.
Não é só o desemprego, os baixos
salários, o sucateamento da estrutura educacional pública que são as causas da
triste situação do menor. O atual modelo, que causa a desestruturação do
sistema familiar, não proporciona à criança a base moral para uma vida mais
espiritualizada que, no futuro, estimularia a melhoria deste mundo materialista
cruel e discriminatório.
As uniões entre os casais são frágeis
e individualizadas. A educação dos filhos é guiada por teorias modernas,
passando radicalmente da rigidez do sistema patriarcal de outrora, para o
liberalismo total que causa uma verdadeira ditadura mirim. A responsabilidade
em ter uma criança sob nossos cuidados é muito grande. Embora tragam já alguma
bagagem moral, cabe aos pais extirpar as más tendências e estimular as boas.
Temos, também, responsabilidade nos
caminhos de nossa sociedade, que por sua vez deve ter compromisso com os mais
fracos e menos favorecidos. Cabe ao mais forte, àquele que tem maiores
oportunidades, amparar o mais fraco e os necessitados, pois na verdade somos
uma grande família espiritual.
É possível ser feliz, festejar
comprando brinquedos para nossos filhos, no dia da criança, enquanto há
milhares de crianças no abandono, na fome, na miséria, na ignorância e sem
nenhuma perspectiva de dias melhores? Afinal, o que temos a comemorar no
"dia da criança"?
Delmo Martins Ramos
Texto publicado em
09/10/98
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