quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013


A SUJEIRA SOB O TAPETE


Muito se tem falado sobre a onda de violência que assola o país, que tem levado a população ao pânico e, como consequência imediata, criam-se condições para a volta da discussão da inclusão da pena de morte em nosso código penal. Nos últimos dias foi encaminhada, para tramitação no Congresso, uma emenda constitucional de um plebiscito sobre a pena capital para sequestro seguido de morte.
O momento é inoportuno para propor um plebiscito de assunto tão grave pois, em meio a rebeliões, fugas de presídios, crimes com requintes de crueldade, assassinatos por motivos fúteis e outros atos de violência, a população está acuada e, num clima altamente emocional, não terá a serenidade necessária para tomar uma decisão tão importante. Haja visto que, numa pesquisa feita no calor destes fatos, apenas 27,8 % responderam serem contrários à pena de morte, enquanto 67,1 % responderam sim, divididos em 38,6 % totalmente a favor e 28,5 % a admitindo apenas para alguns tipos de crimes, como o sequestro.
A pena de morte torna legal o assassinato e serve apenas como atestado de sociedade primitiva, voltando aos tempos do olho por olho e dente por dente, além de vir comprovar a falência e o fracasso do sistema vigente em nossa sociedade que não consegue educar, dar um mínimo de dignidade à grande parte da população e, tampouco, protege o cidadão. Também demonstra que efetivamente a influência das religiões sobre seus fiéis é insignificante, quando se trata de assuntos mais graves, pois é surpreendente que uma população considerada religiosa deseje tirar a vida de um ser humano como castigo pelos seus atos.
A experiência secular nos mostra que a pena de morte não diminui a criminalidade, caso contrário teríamos hoje um mundo pacificado, já que a pena de morte é quase tão antiga quanto a humanidade. Ao contrário, a ameaça da perda da vida, no caso de prisão, pode fazer o criminoso ser ainda mais contundente em suas ações, mesmo porque ao cair no crime já sabe que sua vida não tem mais nenhum valor. Neste sentido, a rigor, a pena de morte não será para o criminoso um castigo.
Nos países onde a pena de morte é instituída, não houve diminuição significativa dos crimes e, quando isto aconteceu, como se divulgou recentemente ter acontecido na América, não é pela pena em si, já que lá foi restituída em 1976 e neste período só vinha aumentado a violência; mas por uma série de medidas conjuntas, como: maior repressão ao crime, combate sistemático contra o tráfico de drogas, diminuição da impunidade, práticas conhecidas como "tolerância zero" e, mais importante, reaquecimento da economia com mais empregos e melhores condições de vida à população daquele país que, embora rico, ainda tem bolsões de miséria.
Num país como o nosso, onde 95% da população carcerária é formada de pobres e que 87% não tem condições sequer de contratar um advogado; onde apenas 34 crimes foram a julgamento, dos cerca de 1301 praticados contra menores nos últimos anos no Rio de Janeiro; onde o sistema Judiciário não funciona e os processos se perdem nos tortuoso caminhos da Justiça literalmente cega; onde os ricos e poderosos dificilmente são punidos; onde há um forte preconceito racial e social; há clima para julgar com isenção e não correr o risco de condenar à morte um inocente?
Paralelamente a esta discussão, outra sugestão tem encontrado grande apoio entre a população. Trata-se da diminuição da responsabilidade criminal de 18 para 16 anos, como se só isto bastasse para acabar com a criminalidade entre os menores de idade. Apesar do alto índice de crimes praticados por menores, 90% dos homicídios ocorridos em S. Paulo são praticados por adultos, afinal, estes criminosos não deixaram de sê-lo por terem passado à maioridade.
Cabe à sociedade como um todo cuidar de seus membros, principalmente dos mais necessitados. É preciso que haja uma melhor distribuição de renda, emprego com salários dignos, educação para todas as crianças e, ao mesmo tempo, leis severas para penalizar os infratores, porem, sempre com o objetivo de reeducá-los. No nosso sistema carcerário, ao contrário, as penitenciárias funcionam como verdadeiras escolas do crime, onde os detentos vivem em condições subhumanas.
A adoção de penas alternativas para réus primários que cometeram delitos mais leves, outra sugestão que tem sido feita por renomados juristas, pode ser uma boa medida, se for implantada com o propósito de educar. Não pode, porém, ser utilizada para criminosos reincidentes ou para crimes mais graves, tampouco apenas com o objetivo de diminuir a população carcerária. Os crimes hediondos devem ser punidos rigorosamente com penas de reclusão maiores onde o criminoso possa trabalhar, estudar e ter a assistência psicológica adequada para melhor refletir sobre seus crimes.
Muitos acreditam que não é viável a reeducação de presidiários, em função do inexpressivo número de detentos que conseguiram se recuperar . Porém se, mesmo diante da atual situação do nosso sistema carcerário, alguns conseguiram superar tais dificuldades e se recuperaram, quantos não poderiam ser reintegrados à sociedade e tornarem-se cidadãos produtivos com uma política carcerária mais humana e com condições mais adequadas? Além do mais, não há de se pré julgar quem vai ou não se recuperar. Deve-se dar a todos a oportunidade de refazerem suas vidas, ficando com o mérito aqueles que se aproveitarem da oportunidade e ficarão nos desenganos os que forem renitentes nos seus erros.
Quanto à pouca influência das religiões sobre seus fiéis sobre temas tão graves comentada acima, verificamos que a Doutrina Espírita oferece o maior argumento contra a pena de morte ao demonstrar que a morte não existe. Assim, ao punir o indivíduo com a pena de morte para seu corpo físico, estará na verdade apenas agravando ainda mais sua situação, podendo provocar a revolta em seu espírito que ficará vagando pela escuridão em busca de vingança e, aliando-se a outros de seu nível, poderá dar inicio a terríveis processos obsessivos. Por outro lado, ao ser o criminoso reeducado, estará preparado para ser reintegrado à sociedade e apto a ser melhor não só nesta vida mas, principalmente, para a vida eterna. Aliás, a educação para a vida eterna, deve ser a preocupação maior do homem em todos os sentidos.
Verifica-se que, sem dúvida, a humanidade passa por momentos difíceis, onde as populações dos países mais pobres, como o nosso, sofrem ainda mais as consequências das crises econômicas, sociais e morais. A nação precisa enfrentar todos os seus problemas frente a frente e que buscar as soluções, no entanto, é necessário esclarecer devidamente a população para que a sociedade, como um todo, encontre as causas de toda a problemática e não fique apenas atacando seus efeitos.
Eliminar pura e simplesmente aqueles que não se enquadrem às normas e leis, é uma solução cômoda, porém, além de ser uma atitude contrária aos ensinamentos cristãos, sabidamente não resolve o problema definitivamente e estará, a sociedade, apenas jogando para baixo do tapete suas misérias humanas.

Escreve: Delmo Martins Ramos

Texto publicado no site em 29/10/99. Mais de uma década se passou e, como está a situação nos dias de hoje? Pense nisso.

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