AS MARCAS DO CRISTO
"E eu, irmãos,
apliquei estas coisas, por semelhança a mim e a Apolo, por amor de vós, para
que em nós aprendais a não ir além do que está escrito, não vos ensoberbecendo
a favor de um contra outro.
"Porque quem é que te faz sobressair? E que tens tu que não tenhas
recebido? E se o recebeste, por que te glorias, como se não o houvera recebido?
"Já estais fartos! Já estais ricos! Sem nós reinais! E oxalá reinásseis
para que também nós reinemos convosco!
"Porque tenho para mim que Deus a nós, apóstolos, nos pôs por últimos,
como condenados à morte; pois somos feitos espetáculos ao mundo, aos anjos e
aos homens.
"Nós somos loucos por amor de Cristo e vós sábios em Cristo; nós fracos e
vós fortes; vós ilustres e nós vis.
"Até a presente data sofremos fome e sede, e estamos nus, e recebemos
bofetadas, e não temos pousada certa.
"E nos afadigamos, trabalhando com nossas próprias mãos; somos injuriados
e bendizemos; somos perseguidos, e suportamos;
"Somos blasfemados e rogamos; até ao presente temos chegado a ser como o
lixo deste mundo, e como a escória de todos" - (I Coríntios, Capítulo 4,
versículos 6 a 13).
O preconceito existente no meio espírita em relação aos textos das
Escrituras faz com que se deixe de lado sua leitura e exame, perdendo a
oportunidade de aprender com as lições desses grandes mestres do passado. O
manancial de aprendizado deixado nas cartas do apóstolo Paulo, por exemplo, são
uma fonte inesgotável de sabedoria, onde se pode buscar valorosas instruções,
inspirações e ânimo para o desenvolvimento das tarefas assumidas como
trabalhadores do Senhor. No entanto, dizem os detratores das Escrituras que não
passam de ensinos judaicos e que Paulo era um legítimo representante deles.
Tratam a cultura judaico-cristã como se fosse um legado de erros e vergonha.
Respeitamos suas opiniões, mas seguiremos buscando aprender com esse servo de
Deus, que sem dúvida, é o maior nome da história do Cristianismo, depois de
Jesus.
Com o objetivo de orientar os muitos núcleos fundados, Paulo enviava
cartas aos seus discípulos, devido às grandes distâncias que o impossibilitava
de estar com eles como gostaria. Nesses escritos, procurava mostrar sempre qual
o papel de um trabalhador da Seara do Cristo, quando está imbuído da
responsabilidade conferida ao seu ministério. Pode-se imaginar a dificuldades
que teve esse homem de instruir naquele tempo onde a ignorância das coisas
espirituais era bem mais abundante do que hoje, se no meio espírita, ainda se
tem grande impecilho ao entendimento.
No texto acima, ele faz uma severa reprovação aos irmãos do grupo de
Corinto, que já achavam-se doutos o suficiente para ensinar, vangloriando-se do
seu saber, ensoberbecidos pelas glórias do mundo. O núcleo em questão tinha
problemas resultantes das dissensões existentes entre os trabalhadores, da
imoralidade reinante que se infiltrava entre eles e principalmente pelas idéias
dos que já se achavam auto-suficientes para prescindir da orientação do
Apóstolo, e ensinavam segundo suas próprias doutrinas. A soberba, como hoje,
embotava a compreensão do essencial.
Paulo procura mostrar nesse belo escrito, a insuficiência e limitação do
trabalhador, que nada pode por ele mesmo, sem a bondade e misericórdia do
Mestre. Ele é quem confere à criatura a condição necessária para desempenhar
determinada tarefa. É por Sua benevolência que dá a oportunidade de trabalhar
em Sua seara e não se pode considerar que se é especial por estar com esta ou
aquela responsabilidade dentro do grupo. Tomos somos seres ainda necessitados
de amparo e corrigendas.
"E que tens tu que não tenhas recebido? E se o recebeste, por que
te vanglorias, como se não tiveras recebido?", diz Paulo, nesta dura
reprimenda aos orgulhosos e soberbos. Mais uma vez a ignorância que faz tolos,
surdos e cegos. O descabido orgulho que não permite a compreensão de coisas tão
óbvias, como a necessidade urgente de reflexão e melhorias. Problemas graves
encontrados na intimidade de muitos e que deverão ser rapidamente identificados
e tratados, se se quiser realizar alguma coisa no campo do Bem.
Junto a isso, tem a explícita vaidade que arrasta os incautos aos palcos
dos aplausos fáceis, afastando-os da condição de humildes servos, pois não
trazem no corpo as marcas do Cristo. Essas marcas são de sacrifícios e
renúncias, e não de glórias mundanas; são de humildade e não de exaltação; de
sinceridade e não de hipocrisia, lisonja e soberba; são de abnegação, coragem,
altruísmo e perseverança. Somos os trabalhadores do Senhor de que fala Allan
Kardec, no Evangelho Segundo o Espiritismo? Examine-se a consciência e
procure-se identificar essas marcas em cada um. Certamente ter-se-á
dificuldades em encontrá-las.
Os trabalhadores da seara espírita geralmente julgam-se detentores de
muitas luzes. Comportam-se como se escolhidos fossem para desempenhar sublime
missão e, considerando-se seres especiais, preocupam-se muito pouco com seu
aprimoramento, o que leva muitos a trilhar por caminhos tais que, no mais das
vezes, nada de edificante produzem, tornando-se estéreis como a figueira seca.
Acostumam-se com os aplausos e alimentam-se disso sem se darem conta da dívida
que assumem com o Alto.
A Doutrina Espírita, sendo o Consolador prometido por Jesus, trouxe de
volta as lições do Mestre, a simplicidade dos núcleos, onde a mensagem divina
era ensinada pela inspiração dos Espíritos do Bem. As casas espíritas
necessitam reencontrar esse caminho. São elas, através de trabalho sério, que
poderão despertar as criaturas ao conhecimento da verdade. Enquanto se estiver
discutindo o sexo dos anjos nas casas espíritas e deixando de lado o essencial,
nada de edificante se produzirá para o Espírito imortal.
O trabalhador espírita, verdadeiramente compenetrado do seu dever,
deverá zelar pela seriedade da tarefa, entendendo que Jesus só precisa de
homens de bem para empreender a transformação do planeta. O trabalho é simples,
embora grave. Entretanto, enquanto se permanecer na fantasia de que os
espíritas são especiais porque detém a sabedoria, enquanto os trabalhadores
enfeitarem-se com virtudes que não possuem, infelizmente se estará caminhando
na contramão do progresso do Espírito. E certamente necessitando da mesma
reprovação que Paulo fez aos coríntios há dois mil anos.
Texto publicado no site em 29/10/99
Vanda Simões
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