quinta-feira, 27 de setembro de 2012

AGRADANDO A SI MESMO

 “Portanto, cada um de nós agrade ao próximo no que é bom para edificação. Porque também Cristo não se agradou a si mesmo.
                      Paulo aos Romanos, 15:1-3
A máxima “Amar ao próximo como a si mesmo” é uma daquelas frases do Evangelho de Jesus que, de tão conhecida, ficou comum e caiu na banalidade da repetição sem efeito. Todos a pronunciam instintivamente quando instados a falar do amor, de caridade, de doação, quer seja para instruir outros, quer seja legislando em causa própria. Muitos falam por falar, mas sem o fogo da verdade que brota do coração do justo.
É belo falar das máximas de Jesus. Impressiona e toca o coração dos mais sensíveis, quando quem fala tem em suas palavras o peso do exemplo. Entretanto, a prática do dia a dia diz que, para a maioria dos homens, a frase acima não passa de um amontoado de palavras. Isso se deve em parte por falta de vontade das pessoas para o aprendizado, em parte por imaturidade espiritual e muitas vezes pela interpretação equivocada que dão a esse ensino os que se consideram arautos da Boa Nova, arrastando para os abismos da ignorância uma infinidade de almas equivocadas.
O mundo está abarrotado de tolices, como se sabe. A cada dia surge mais e mais seitas e doutrinas humanas que, pegando carona nos ensinos do Cristianismo, ditam normas, fazem adeptos e atraem incautos para suas fileiras. E dentre os enganados não estão apenas os mais simples, mas aqueles que se dizem bem dotados intelectualmente. Esses, muitas vezes sem se aperceberem, dão guarida a doutrinas mundanas, assim chamadas por atenderem unicamente aos interesses da matéria, embora se apresentem muito bem encapadas com rótulo de ciência do comportamento, entremeadas por pensamentos espiritualistas que trabalham a auto-estima do ser.
Nos últimos anos viu-se alastrar no seio das sociedades ocidentais a doutrina do egoísmo, do orgulho, da exaltação da personalidade. Chamada pomposamente de auto-ajuda, neurolinguística, holismo e quejandos, essa falsa filosofia induz o homem a pensar que para amar ao próximo o homem precisa primeiro amar a si mesmo. Nesse esforço passa toda a sua vida preocupado consigo, freqüentando os divãs dos analistas, bancos de igrejas, palestras em centros espíritas, templos budistas, evangélicos ou o que o valha. São pessoas na maioria atormentadas, infelizes, insatisfeitas com a vida que levam e que acreditam encontrar a paz e a felicidade nas explicações sobre seus traumas, suas experiências frustrantes, suas complicadas relações com afetos ou desafetos. Perdem, muitas vezes, a oportunidade de crescer justamente por se voltar unicamente para si, durante toda uma existência.
Esse pensamento, que permeia a maioria das filosofias superficiais existentes atualmente, encontrou terreno fértil entre os imaturos do mundo, e os livros sobre o assunto assumiram os primeiros lugares em vendas nas sociedades ocidentais. Já se sabe, de longas datas, que o homem procura sempre o que é mais fácil. Por preguiça ou ignorância busca sempre os atalhos na esperança de ter menos trabalho, despender menos esforço. Por essa razão, envolve-se com facilidade em coisas dessa natureza, com doutrinas falsas que não exigem muito esforço da criatura e que, pelo contrário, sopram doces palavras de elogios em seus ouvidos, estimulando o tão festejado ego. Acreditam cegamente que o ego é o grande motor de suas realizações. Quanto mais amarem a si mesmos, mais amarão aos outros. É o que pensam e o que ensinam os pseudo-mestres. E nessa ilusão as pessoas vivem, sofrem, fazem sofrer, atormentam-se e escravizam-se cada vez mais em seus problemas, tribulações e dificuldades.
Entretanto, Jesus em todos os seus discursos ensinou que apenas um caminho há para que a criatura encontre sua paz interior, o caminho da felicidade verdadeira: a Caridade. Mas a caridade segundo o que Ele ensina, ou seja, a prática absoluta do amor. Segundo os Espíritos superiores, Jesus entende a caridade como benevolência para com todos, indulgência para com as imperfeições alheias e perdão das ofensas. Perguntamos: o que isso tem a ver com o amar a si mesmo? Nada. Mas tem tudo a ver com o amar ao próximo. Ou seja, primeiro se compreende porque se deve e como se deve amar o próximo, e a partir de então começa-se a vislumbrar uma prática diferente de vida, cultivando os valores verdadeiros do Espírito, conquistados com a prática desse amor ao próximo. Em resumo, o homem ama o próximo porque já tem o amor em si, que é tanto maior quanto mais ele compreende as leis de Deus e os objetivos da vida.
Jesus, sabedor da natureza egoísta do homem em seu atraso espiritual, colocou a medida do amor no outro e não em si mesmo. O amor que se tem pelo outro é que demonstra a qualidade moral do Espírito e não o contrário. A pessoa que não se dispõe a servir, não se dispõe a amar. E se não se dispõe a amar é porque ainda está preocupado apenas consigo mesma, criando problemas existenciais às vezes inexistentes até aquela oportunidade. Interpelado pelos seus amigos sobre quem era o maior dentre eles, o Mestre censurou-os demonstrando que o maior era quem servia mais. E disse: “Eu não vim aqui para ser servido, mas para servir”. Ele se postava como servo e os homens se postam como senhores. Eis a dimensão do abismo entre o que quer Jesus e o que deseja o homem.
Qual razão Jesus teria de nos pedir para atender os nus, amparar os enfermos, visitar os encarcerados, curar as doenças, saciar a fome e a sede dos necessitados, se não fosse para, através da prática do amor ao próximo, construir um edifício de virtudes para o Espírito imortal? Como poderá o homem amar-se primeiro com tanto a fazer pelo outro? Como pode a criatura pretender ser feliz com tanto sofrimento na face do planeta? Só o egoísmo e orgulho do Espírito podem justificar tal pensamento. O amar a si mesmo, portanto, conforme ensina Jesus, longe está do entendimento que é dado pelos homens.
Urge que se tenha um outro entendimento sobre esta máxima. Amar ao próximo é a Lei Maior, através da qual o homem alcançará os degraus da sabedoria e da felicidade plenas. É necessário que se tenha cautela com os arautos da doutrina do egoísmo que se alastrou pelo mundo e se transformou em uma grave enfermidade moral da qual o homem terá de se livrar um dia, mas que, por agora, envolve com facilidade boa parte do planeta. Ela vem com a capa do bem, do altruísmo, da reforma interior, mas não passa de artimanhas utilizadas pelos Espíritos inferiores para manter o mundo no atraso, mantendo o homem em sua condição de imperfeição. Infelizmente essas entidades infelizes encontram uma multidão de pessoas que lhes dão ouvidos e contam com a ajuda de personalidades importantes, no campo religioso ou fora dele, para semear a inutilidade, passando-se por mestres. Na verdade são cegos conduzindo cegos. Cairão no abismo, conforme profetizou Jesus.

Vanda Simões

Texto publicado no em 25/11/2000

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