quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

QUANDO SE ESTREITA O CAMINHO

Richard Simonetti

richardsimonetti@uol.com.br


A ciência poderá ter achado a cura para a maioria dos males, mas não achou ainda remédio para o pior de todos: a apatia dos seres humanos.

Antes de identificar o autor dessa frase bem-humorada, um teste, leitor amigo:

Coloque uma venda grossa nos olhos, impedindo qualquer vislumbre de claridade.

Ponha tampões nos ouvidos, que neutralizem inteiramente as ondas sonoras.

Sele a boca com uma fita crepe.

Experimente ficar assim alguns minutos.

Terá idéia do que é perder o contato com o mundo exterior.

Não obstante, em pensamento transitará por um universo de formas, imagens, sons, pessoas, objetos, formado por suas lembranças.

Imagine, porém, que desde a mais tenra idade, você houvesse perdido a possibilidade de ver, ouvir e falar.

Cego, surdo e mudo!

Além da impossibilidade de contato com o mundo exterior, haveria o caos interior, praticamente vazio de experiências visuais e auditivas.

Uma existência justificadamente apática, instintiva, pior que a de qualquer animal, já que este vê, ouve, comunica-se com seres da mesma espécie.

***

Pois saiba que o autor daquela frase, mais exatamente a autora, viveu esse drama.

Não obstante, por prodígios de que o Espírito humano é capaz, transformou-se em marcante exemplo de que é possível  vencer a adversidade, superar a inércia e dar significado e objetivo à existência.

Nossa heroína é Hellen Keller (1880-1968), escritora e conferencista americana.

Isso mesmo! – escritora e conferencista, autora de artigos para a imprensa e livros famosos, como Minha Vida de Mulher, A História de Minha Vida e Diário de Hellen Keller.

Cega, surda e muda, em virtude de um mal não bem definido, contraído quando era um nenê, vivia isolada em seu terrível mundo sem som e imagem, tratada como um animalzinho de estimação por adultos compadecidos de sua sorte.

Sua vida começou a mudar aos sete anos.

Graças aos esforços de uma professora contratada para ajudá-la, Anne Sullivan, conseguiu estabelecer contato com o mundo exterior pelo tato. Aprendeu que havia uma conexão entre o que tocava e um símbolo que o representava, a palavra.

Substituiu os ouvidos pelo tato.

Com a mão esquerda tocava o objeto; com a direita encostada nos lábios de Anne ouvia e o identificava.

Um novo prodígio logo aconteceu: aprendeu a falar, algo até então considerado impossível a um surdo. Como pronunciar palavras e sons nunca ouvidos? Pois ela conseguiu! E seguiu em frente, com sua vocação para romper fronteiras.

Aprendeu a ler e escrever em Braille. Freqüentou escola para jovens normais e formou-se com distinção.

Escrevia em inglês e francês, mantendo correspondência com pessoas famosas e com deficientes físicos que tinham nela o grande estímulo para enfrentar seus problemas, já que nenhum deles tinha tão graves limitações.

Tornou-se conferencista, percorrendo vários países, num ingente trabalho em favor dos carentes de todos os matizes, particularmente cegos, surdos e mudos, mostrando que é importante seguir adiante, na viagem da existência, mesmo quando se estreitam os caminhos.

Esteve no Brasil em 1953 para conferências e contatos com entidades dedicadas a treinar deficientes físicos.

Numa palestra, no Hospital das Clínicas, em São Paulo, com a presença de médicos e estudantes de medicina, alguém lhe perguntou:

– O que você gostaria mais de ver, se Deus lhe desse visão por cinco minutos?

– As flores, o pôr do sol e o rosto de uma criança.

Emocionante, leitor amigo! Costumamos esquecer essas maravilhas, às voltas com preocupações e interesses que nos fazem perder o melhor da Vida.

Ao retornar aos Estados Unidos, deixou uma mensagem aos brasileiros, onde destaca:

Caros amigos do Brasil, agora que me despeço de vocês, deixem-me pedir-lhes, a todos, homens e mulheres, que tomem parte ativa no programa de assistência de seu país em favor dos cegos e outros grupos desfavorecidos.

Ajudem a estender este glorioso trabalho por toda a América Latina, e quando estiverem cumprindo esse objetivo poderão sentir a alentadora satisfação de estar fazendo aos outros o que gostariam que os outros lhes fizessem; e o Senhor, que zela pelos desfavorecidos, os abençoará.

***

Como ensina a Doutrina Espírita, não há inocentes na Terra.

Vivemos num planeta de provas e expiações, onde o egoísmo, agente das ações humanas, gera intermináveis situações cármicas que nos afligem, no suceder dos dias, dos anos, das existências…

A única distinção que podemos estabelecer diz respeito à natureza de nosso resgate.

Expiação ou prova?

·         Expiação: aqueles que enfrentam dificuldades e dores impostas pelas leis divinas, como sentenciados conduzidos compulsoriamente à prisão. Costumam debater-se, enveredando pelos domínios da revolta, da inconformação, da rebeldia…

·         Provação: aqueles mais conscientes, que planejaram seu resgate, buscando transformá-lo em experiência edificante para si mesmos e para os outros.

Estes, mesmo submetidos aos piores sofrimentos, mesmo quando o caminho se estreita, seguem em frente, firmes em seus propósitos, resgatando o passado, construindo o futuro de bênçãos com o esforço do Bem, oferecendo gloriosos e edificantes testemunhos.

Hellen Keller foi um deles.

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